¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, março 31, 2011
 
PORQUE NÃO VEJO GRAÇA
NESTE MEU LINDO BRASIL



Não conheço quase nada do Brasil. Ao norte de São Paulo, só conheço Rio e Brasília. Mesmo de meu Estado, o Rio Grande do Sul, conheço muito pouco. Dom Pedrito, onde me criei, Livramento, onde nasci, Santa Maria e Porto Alegre, onde estudei, amei, trabalhei. Isto é, vivi. Devo conhecer mais umas três ou quatro cidades gaúchas, de visitas muito rápidas. E só.

Tenho amigos que me convidam para conhecer Belém, Manaus, Salvador. Nem pagando. Se acho que no Rio faz calor excessivo, é claro que vou sofrer muito lá perto da linha equatorial. Tem outro detalhe: não me sinto viajando quando todos em torno a mim falam minha mesma língua. Claro que adoro Portugal. Mas em Portugal se fala português e não brasileiro.

Já a Europa, conheço o continente quase todo. Da Europa de cá, acho que só faltam Escócia e Islândia. Da do Leste, conheci inclusive países que não mais existem: Alemanha Oriental, Tchecoslováquia e Iugoslávia. Meus passaportes já são peças de museu. Quando digo conhecer países, me refiro às capitais e cidades mais importantes. Mesmo assim, conheço bastante do interior da França, Espanha, Itália. Da Noruega, conheço diria que boa parte de suas cidades. O que, cá entre nós, não é grande feito. Basta navegar pelo seu litoral. Suas cidades mais lindas estão lá.

Mais um pouco de África, Oriente Médio, Leste europeu, América Latina, e Canadá francófono. Dos EUA, só Nova York. Não gosto dos Estados Unidos nem me sinto bem em países anglófonos. A começar pela culinária. Diz-se na Europa que a Inglaterra conquistou tão grande império em busca de uma boa cozinha. Pelo jeito, ainda não a encontrou. Você já ouviu falar em cozinha inglesa? Eu não.

Ninguém imagine que sou milionário. Sem falar em meus quatro anos de bolsa em Paris, mais um em Madri, durante muito tempo viajei sem pagar nada. Explorei minha condição de jornalista, é uma forma de completar salário. Minhas traduções, miseravelmente pagas, me renderam uma viagem à Suécia e a bolsa em Madri. Se nem sempre se come pão quente, de vez em quando se come pão quente. Atualmente, afastado do grande jornalismo, tenho pago para viajar. Como me desagrada a idéia de rasgar dinheiro, tenho preferido a Europa.

Os patrícios que me desculpem, mas não vejo graça alguma em viajar pelo Brasil. Vou morrer sem conhecer muito de meu país. Confesso que, ano passado, vi algo imponente, as cataratas. Não vou dizer que tenha sentido vontade de chorar. Chorei mesmo. A beleza extrema me faz chorar, seja uma montanha nos Alpes ou nos Andes, seja uma ópera de Mozart ou Bizet.

Para começar, o que está perto não me interessa muito. Prefiro o que está longe. É humano. Mas não muito longe. China e Índia para mim estão descartadas. (Sobre a Índia, devo escrever em breve. Estou lendo Índia, de Jean-Claude Carrière, autor de quem sempre gostei, mas que agora me decepcionou). É que me viciei em Ocidente. Oriente pouco ou nada me diz. Nos anos 50, 60 e 70, não poucos intelectuais europeus se encantaram pelo Oriente. Entre eles, Herman Hesse e Aldous Huxley. Conheci não poucas brasileiras que foram buscar paz interior numa Índia em que as crianças morrem de fome nas ruas e ratos são alimentados com leite nos templos. Esse escapismo nunca me atraiu.

Desde meus verdes anos, tem sido mais caro viajar pelo Brasil que pela Europa. Nos anos 70, um mês nas ilhas gregas custava bem menos que um mês nas praias do Recife. Como os brasileiros sequer imaginavam isto, iam para o Nordeste. Em meus dias de França, quando tinha férias, em vez de voltar para casa eu optava pelas ilhas gregas ou canárias. Sem falar na distância, o custo in loco era muito menor. Lembro que certa vez, em Ilunda, ilha próxima a Creta, pedi um ouzo num daqueles cafeneion, de paredes brancas e portas e janelas azuis - as cores da bandeira e das ilhas gregas - atendido por uma velhota toda de preto. Ela trouxe a bebida, com seis escargots em torno e mais seis fatias de compota de pêssego.

Estoy jodido - pensei com minhas divisas. Ao pagar, custou creio que seis dracmas. Menos que um franco, não eram ainda os dias do euro. Não pagava um cafezinho em Paris. Pedi mais dois ou três ouzos.

Lá por 2.000, quando a Varig detinha o monopólio aéreo no Brasil, a Baixinha queria ir para a Terra do Fogo. Fui ver os preços. SP/Ushuaia/SP dava em torno de 1.500 dólares. Achei o puchero meio gordo. Ela queria neves? Bom, neve também há no norte. Pesquisei um giro pela Noruega. Encontrei uma passagem da Swissair, SP/Oslo/Estocolmo/SP, por 669 dólares. Mais que o dobro da distância por menos da metade do preço. Adivinhe o leitor para onde eu fui. Mais ainda: com uma agradabilíssima pausa em Zurique. Às margens do Limmat. Em um bar que se chamava Panta Rei. Antes que me esqueça: a morte da Varig foi uma das alegrias de minha vida.

Isto para dizer que tenho viajado bastante e longe para economizar o que pagaria para viajar pouco e perto. Ainda hoje, um de meus interlocutores, ligado a uma agência de turismo, me sugeria três dias em Montevidéu – a partir de Porto Alegre – por 732 dólares, como se isto fosse barbada. Ou seja, praticamente 1200 reais por três dias. Quatrocentos paus por dia e por cabeça. Não faz sentido.

Agora em dezembro, eu e minha filha giramos pela Europa durante 28 dias. Paris, Londres, Dublim, Berlim e de novo Paris. Com minha passagem transatlântica, mais nossas passagens internas, bons hotéis e bons restaurantes, paguei 22 mil reais. Menos de mil por dia. Mais precisamente, 785 reais por dia. Para duas pessoas. Ou seja, 392 por cabeça, vinhos e uísques incluídos. Isso sem falar que a distância entre Porto Alegre e Montevidéu é um pouquinho menor que a distância entre São Paulo e Berlim. É preciso ser muito panaca para comprar um pacote desses para Montevidéu.

Pego uma oferta ao acaso – e poderia pegar muitas outras, se quisesse – da CVC, os Circuitos Brasileiros. Jóias da Estrada Real, oito dias. Diamantina de JK, Ouro Preto, Tiradentes, Brumadinho, Inhotim e Petrópolis. Saídas de Belo Horizonte ou Rio de Janeiro. Preço? 1.898 reais. Seis cidades em oito dias. Ou seja, você acaba não vendo nenhuma.

Pego agora um pacote oferecido pela pequena agência que me serve. Quatro noites em Paris, passagem de ida e volta incluída, 999 dólares. Arredondando: 1600 reais. Isso sem falar que a distância entre Paris e São Paulo é um pouquinho maior que a distância entre o Rio e Ouro Preto. Perguntinha: você prefere quatro noites em Paris por 1600 reais, ou oito dias – provavelmente seis noites – nas tais de cidades históricas de Minas, por 1900 reais?

Sua resposta afere seu nível de inteligência. E o apreço que tem por seu dinheiro. Eu não hesitaria um segundo. Esta é uma das razões – entre muitas outras - pelas quais pouco conheço o Brasil.

 
DE UM LEITOR QUE O DEIXOU


Sobre a crônica "A volta do turista marsupial", recebo do Boaventura:


Desculpe-me, mas além de você ter exagerado, a presidenta Dilma está certíssima. Senão vejamos:

Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, o turista interno e estrangeiro têm muito mais opções para curtir nossas belezas naturais a preços bem camaradas. Poderá, por exemplo:

1) conferir as freqüentes enchentes no Rio (a 4a. mais fatal dos últimos doze meses);
2) fazer um tour por nossas magníficas favelas com tráfico de drogas agora mais protegido pelas UPPs;
3) pegar uma boa praia com areia e mar poluídos do Leme a São Conrado em meio a uma infinidade de bundas de fora e muito baseado liberado em Ipanema, sem qualquer repressão policial;
4) visitar museus como o Nacional da Quinta da Boa Vista, que mais parece o Louvre, tamanha sua conservação;
5) verificar o número de pardais eletrônicos existentes na Avenida das Américas (Barra da Tijuca),ou em Niterói;
6) constatar o precinho camarada para se chegar ao Cristo Redentor ou ao Pão de Açúcar;
7) verificar o quanto é seguro caminhar ao redor do Maracanã, dentro da Quinta da Boa Vista, da floresta da Tijuca ou do Grajaú, ou em pleno Centro, principalmente após deixar uma agência bancária;
8) caminhar pelo conservadíssimo Parque Lage , Jardim Botânico e Zoológico;
9) notar a limpeza urbana tão preservada pelo carioca;
10) pagar um dos estacionamentos mais baratinhos do Brasil quando se vai a shoppings etc;
11) curtir o maior e melhor carnaval do mundo, financiado por contraventores do jogo do bicho, que compram da China todo o material para confeccionar fantasias;
12) ligar a TV e assistir a uma turma GLSBT bem desinibida disputar uma gincana de quinta categoria para, no fim, uma garota (que tem vários vídeos na internet, exibindo sua técnica de masturbação), faturar um milhão e meio de reais, enquanto o eloqüente apresentador lhe tece os maiores elogios por seu “brilhantismo”;
13) pagar uma merreca no litro de combustível, já que somos auto-suficientes, principalmente após o molusco anunciar a descoberta do pré-sal...

Enfim, Dilma está apenas valorizando o que é nosso, procurando incentivar o brasileiro a gastar seu suado dinheirinho aqui mesmo em prol do desenvolvimento do país, sempre ávido por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.

Você é que tem a mania besta de só valorizar o que é de fora. Lembre-se : Ame-o, ou deixe-o.

Eu o deixei.

Boaventura

quarta-feira, março 30, 2011
 
BARÃO DE ESQUERDA QUER
RICOS PERTO DAS FAVELAS



Há um curioso fascínio, por parte de turistas do Primeiro Mundo, pelas favelas do Rio. Tem de ser favela do Rio. De São Paulo, Porto Alegre ou Florianópolis não vale. É fascínio que não entendo. Jamais me ocorreria, ao visitar uma cidade, buscar suas áreas mais pobres. Já nem falo em Bill Clinton ou Danielle Mitterrand, esta última freguesa de livreta das favelas cariocas. Mas do turista comum. A primeira coisa que um alemão ou francês ou americano quer conhecer no Brasil são as favelas.

E não é pela paisagem. Turista rico gosta mesmo é de ver pobre. Sempre me perguntei sobre esta exótica preferência e só encontrei uma hipótese. É como se o visitante do Primeiro Mundo quisesse ver a miséria da qual havia escapado. Mas tem de ser miséria com certo charme. No caso, a carioca. Desde há muito, o Rio oferece tours a turistas estrangeiros por seus morros. Com a devida anuência dos traficantes, é claro. Ninguém visita impunemente uma favela sem um passaporte da delinqüência.

Barack Obama, mulato e americano, não seria exceção. Ignorou São Paulo, o centro econômico do país. Mas não poderia deixar de render seu preito a uma favela. No caso, a Cidade de Deus, uma das fortalezas do tráfico, em prosa e cinema cantada. Não bastasse isto, demonstrou sua indigência mental citando Paulo Coelho ao final de seu discurso. Indigência que não deve ser de Obama, afinal jamais deve ter lido Coelho. Mas de sua assessoria, que em algum lugar leu que Coelho era best-seller no Brasil.

Nesta esteira de turistas deslumbrados com a miséria, esteve aqui nesta semana o arquiteto e barão de esquerda Richard Rogers, um dos criadores, junto com Renzo Piano, do centro Georges Pompidou. Em entrevista à Folha de São Paulo, defendeu que as cidades não podem virar guetos de ricos ou de pobres. “A integração é a única solução para as cidades. Em Londres, não temos favelas. Mas temos pessoas vivendo em habitações sociais, que são subsidiadas pelo governo. São prédios privados, nos quais o governo pode colocar pessoas pobres na porta ao lado de alguém muito rico. Uma área só para ricos contraria a idéia de cidade”.

Sim, em Londres, como também em Berlim, Madri ou Paris, não há favelas. Favela é coisa nossa. Mas obviamente há bairros ricos – onde só moram pessoas de alto poder aquisitivo – e bairros pobres, onde moram aqueles que não podem morar nos bairros ricos. É óbvio que o preço do metro quadrado na Kurfürstendamm é mais salgado do que em Kreutzberg, é mais caro na Serrano do que em Carabanchel, em Neully-sur-Seine do que na Goute d’Or. Quem tem dinheiro, quer viver em paisagens aprazíveis. Quem não tem, vive onde pode.

O que fazer quando ricos não querem pobres ao lado? – pergunta o repórter. Responde o nobre de esquerda: “O sistema londrino obriga bairros ricos a terem habitações sociais. Esse tipo de sistema já é aplicado na Holanda, na Dinamarca e na Suécia. É preciso criar leis para ter essa integração. O problema de pobres e ricos no Brasil é igual ao que existia entre brancos e negros nos Estados Unidos. Cidades não podem ter guetos, seja para negros ou pobres”.

O que o barão esquece é que habitações sociais não são favelas. Em Paris, eu morava ao lado de um HLM - habitation à loyer moderé – conjuntos residenciais destinados, em geral, a imigrantes. “Estas são as favelas daqui” – disse a uma médica que me visitava. “Nossa! Não me desagradaria morar em favela assim”, respondeu-me a moça, que morava modestamente em um quarto-e-sala em Porto Alegre.

O barão Rogers também esquece que os judeus, onde quer que se instalem, seja em Paris, Londres, Nova York ou São Paulo, vivem em guetos. Mas guetos de ricos. O barão não está preocupado em aproximar os guetos judeus dos ricos. Estes já estão próximos. O barão quer aproximar ricos de negros e pobres. Não vejo nada de mais que negros morem junto a ricos. O que não se concebe – me desculpem os antigos comunossauros – é ver pobres morando lado a lado dos ricos.

Uma das razões pelas quais se trabalha é encontrar um lugar onde morar bem. As pessoas lutam por dinheiro em busca de mais conforto. Não sei onde mora o barão Rogers. Mas não há de ser junto a um HLM. Lá em Paris, eu morava ao lado de um. Com a ressalva: HLM não é favela.

Jamais me ocorreu – como ocorre a ilustres turistas – visitar uma favela. Certa vez, no Rio, fui ao Belfort Roxo. Não por minha iniciativa. Mas a convite de um diplomata francês, e não por acaso. Ele queria ver um terreiro de macumba. Ok! Fui com ele. Mas jamais teria ido a um terreiro, não fosse o convite de um francês.

Sem ser rico, moro hoje, meio que por obra do deus Acaso, em um bairro rico de São Paulo. Como todo bairro rico de todas as metrópoles do país, tem seus mendigos atirados na rua. Confesso que me irritam. Não vejo porque tropeçar todos os dias com mendigos que se julgam donos do quarteirão. A Igreja Católica criou um conceito, o de povo das ruas. Criado o conceito, qualquer vagabundo se julga no direito de morar nas calçadas. E ai das autoridades que tentam limpar as ruas. São anatematizadas como "higienistas". Como se higiene fosse crime.

E mais: são mendigos patrocinados por gente que tem dinheiro. Em minha rua, sob o portal de um açougue, cruzo todas as noites com uma senhora que dorme ali. Ou melhor, duas. Elas se revezam, uma noite para cada uma. Com um detalhe: sempre com nove sacos enormes sei lá de quê. Sempre nove sacos. Ora, ninguém consegue portar aqueles nove sacos.

Não estão esmolando. As duas chegam tarde da noite e à noite não passa ninguém para dar esmola. Profundo mistério! É óbvio que não conseguem carregar aquilo tudo. Alguém as traz de carro até ali e as joga na rua. Todas as noites.

Porque, não sei. Deve ser obra de algum discípulo do barão de esquerda, que quer aproximar os ricos dos miseráveis.

terça-feira, março 29, 2011
 
PANTA REI!


Era uma vez um leitor de CD. Pifou. Mandei consertá-lo. Saiu quase o preço de um novo. Quando pifou de novo, decidi comprar outro. Mas se ia comprar um leitor de CDs, por que não um que lesse também DVDs? Foi o que fiz. Tive o cuidado de comprar um aparelho que lesse cinco zonas, para ler DVDs da Europa e Estados Unidos pelo menos. Com cinco bandejas. Mais home theater. Vai daí que o antigo televisor, velho de 13 anos, não lia os DVDs. Troquei de televisor. Mesmo assim, o novo não lia os DVDs em cores. Tive de fazer uma gambiarra. Quanto à antiga televisão, da era do preto e branco, joguei-a no lixo. Dá-la a alguém constituiria ofensa.

Meu novo aparelho – novo no século passado – tem mais de década. Por algum tempo andei namorando esses novos televisores, de 32 e mais polegadas. Muito caros. Sem falar que pouco assisto TV. Serviria mais para minhas óperas. Mas o DVD já era, estamos entrando na época do blu-ray. Em minhas prateleiras ainda tenho algumas peças de museu, os bolachões e fitas K-7. Já tive aqueles rolos de fita enormes, dos antigos gravadores. Tive também, é claro, um daqueles gravadores antigos, que pesavam cerca de dez quilos. Algumas dessas mídias, pelo valor que tinham, passei-as para CD. É o caso de um Martín Fierro, recitado ao violão por um payador do qual não tenho hoje nem o nome.

Também passei para CD um bolachão editado na França, Chants revolutionnaires de Cuba, que trouxe escondido para o Brasil nos dias da ditadura. Adelante, heróica guerrilla! Guerrillero, adelante, adelante! Juventud, juventud cubaaaana, unidos por un mismo ideal. Viva Cuba, soberaaaana! Viva el pueblo, en libeeeertad! Cuba sí, Cuba sí, Cuba si, yankee no! Remember Playa Girón! Los yanques con sus armas, a Cuba quieren invadir! Etc, etc, etc.

Arrisquei incomodar-me, mas o disco era um documento da época. Hoje, quando recebo algum velho comunossauro, faço uma sessão nostalgia aqui em casa. Eles o escutam com certo mal-estar.

Panta rei, dizia Heráclito. Nunca nos banhamos nas mesmas água de um rio. Tudo obsolesce, digo eu. Nunca curtimos nossas antigas canções na mesma mídia. Vai daí que meu atual televisor (a partir de hoje nominado ex-atual) também virou peça de museu. E os preços dos novos aparelhos foram baixando. Entrei, hoje, de rijo no século XXI. Sony 52”, blu-ray, 3D e outros babados. Aí começaram as surpresas.

Pra começar, meu rico DVD que lia cinco zonas e tinha cinco bandejas – que há dez anos era o haut de gamme da tecnologia - não é compatível com o novo televisor. Mais ainda: descobri que os aparelhos com cinco bandejas não mais existem, o carrossel quebrava fácil e agora só há aparelhos com uma única bandeja. Vá lá! Traz então um novo DVD. Afinal, o antigo não lia nem blu-ray nem 3D. Mas o home theater também foi pras cucuias. Pior ainda: o televisor tem conexão para computador. Mas meu notebook é dos antigos, não tem conexão para o televisor. Meus antigos aparelhos, todos, viraram uma merencória tralha que não ouso repassar nem à minha faxineira.

Mas os dramas não terminam aí. Com a nova resolução do televisor, meu decodificador da NET também obsolesceu. Aquele modelito prateado já era. Preciso agora de um decoder com resolução de 1080 pixels (full hd), senão a imagem fica distorcida.

E resta mais um probleminha. Se já há até algumas óperas em blu-ray, em 3D não há sequer filme que preste. A indústria está produzindo aparelhos para os quais ainda não foram produzidos filmes. Pelo jeito, vou precisar de mais alguns anos para usufruir dos plenos benefícios da nova tecnologia.

Ouvi rádio pela primeira vez em uma galena. Tudo flui! Se há algo que me consola, é que certamente será o último televisor de minha vida. Dado o tempo que me resta, espero não ter de reciclar-me antes da partida.

segunda-feira, março 28, 2011
 
A VOLTA DO TURISTA MARSUPIAL


Comentei há dois ou três dias o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para as compras feitas em cartão de crédito no Exterior. A medida foi publicada hoje no Diário Oficial da União. O estrangeiro ficou 4% mais caro para todo brasileiro. Se antes você pagava 2,38 reais por 100 reais gastos, hoje você passa a pagar 6,38. Em mil reais, pagará 63,80. Em dez mil, que é uma despesa viável em cartão de crédito para uma viagem, pagará 638 reais. Quase a metade de uma passagem de ida e volta a Paris.

Além do absurdo pago pela taxa de embarque – uma das mais caras do mundo – você marchará com mais essa contribuição para o governo assistencialista do PT. O aumento do imposto visa conter o consumo. Conter, lá fora. Aqui, você pode consumir com gosto. Mal surge uma brecha para o cidadão viajar e comprar barato, o governo interfere na economia para proteger os caros preços nacionais.

Se ainda existe memória neste país, quem costuma viajar deve lembrar dos dias da ditadura militar em que havia limitação para as divisas que um turista levava ao exterior. O limite era mil dólares, quantia que mal pagava dez dias de hotel no estrangeiro. Sem falar que, quando se viaja, é preciso comer. A lei era de uma hipocrisia escancarada, pois nenhuma autoridade acreditaria ser possível sobreviver uma semana no exterior com mil dólares. O recurso era então levar dólares na barriga.

O viajante brasileiro assumiu uma condição de marsupial. Os dólares não eram levados exatamente na cueca, mas em cintas improvisadas de tecido, com um bolsinho para os dólares. Eu gostava daquelas guaiacas de couro que se comprava na Argentina, um cinturão com divisões internas. Com o tempo, me tornei mais criativo. A cada calça que comprava, pedia ao lojista que a munisse de bolsos internos.

Todo brasileiro de minha idade, que um dia teve de viajar, em algum momento usou este recurso. Hoje é mais simples. Leva-se VTMs ou travellers-cheques, sem limitação de quantidade, ou cartões de crédito. Mas eu vivi minha fase de dólar, não digo na cueca, mas pelo menos na barriga. O que dava à viagem uma certa insegurança. Se você tem travellers ou VTMs, recebe um comprovante de compra que lhe permite resgatá-los, caso você seja roubado ou perca os mesmos. Se for roubado ou perder papel-moeda, não há como recuperá-lo.

Mas esta permissão para mil dólares permitia alguma vantagem, pelo menos aos fronteiriços. Havia uma distância considerável entre o câmbio oficial e o paralelo. Ora, a República Oriental del Uruguay é exterior e Porto Alegre não fica longe. Saía em conta pagar um vôo até Montevidéu, enviar mil dólares, recebê-los em um banco uruguaio e voltar. A viagem estava paga e ainda sobrava grana. Em Porto Alegre, houve quem fretasse aviões com prostitutas, que davam um giro pela 18 de Julio e voltavam no mesmo dia, com a bolsa cheia de dólares.

Claro que não deixei de aproveitar a janela. Certa vez, fui com a Baixinha a Buenos Aires. Ou seja, dois mil dólares no câmbio oficial. Mandei-os para o Uruguai, onde podia pegar a remessa em dólares. Em Buenos Aires, troquei-os no câmbio negro. Passamos uma semana na Argentina, comendo, bebendo bem e ainda comprando algunas cositas más, pelo preço de dois jantares em Porto Alegre.

Essas diferenças cambiais sempre favoreceram viagens, inclusive na Europa. Nos dias em que vivi na Suécia, era mais barato passar um mês nas ilhas gregas, hotéis, viagem e comer e beber incluídos, do que ficar uma semana em Estocolmo. Havia estudantes suecos que deixavam de visitar os país no próprio país, para economizar na Grécia.

Três coisas eram muito baratas em Atenas e nas ilhas gregas para um sueco: comida, álcool e dentistas. O preço das bebidas na Grécia era algo inacreditável para os Svensons, que pagavam pesados impostos para comer e beber no próprio país. E o dos tratamentos dentários também. Como não eram incluídos nos seguros de saúde na Suécia, viajar para tratar dos dentes era salutar para o bolso. Nas ruas das cidades de Creta, Lesbos ou Mikonos, as placas mais freqüentes eram: sprit e tandläkare. Álcool e dentistas, em sueco.

Quando resolvi renunciar ao paraíso nórdico e descer rumo ao Brasil, pensei em pegar um trem até Barcelona, onde embarcaria no Eugenio C, hoje desarmado. Não lembro muito bem dos preços exatos, mas a viagem de trem até Paris – em segunda classe, o que não é desconfortável na Europa - era algo em torno de 290 coroas. Doze dias em Palma de Mallorca, com hotel, meia pensão, e vôo de ida e volta, me custariam 300 coroas. Não hesitei um segundo. Mais ainda, vendi minha passagem de volta a Estocolmo a um cozinheiro dinamarquês por cem coroas e meus doze dias de Baleares custaram apenas um terço de uma viagem de trem a Paris.

Eram os dias da disparidade de moedas na Europa. Dias das coroas, marcos, francos, liras, pesetas. (Ainda as guardo em uma jarra de vidro). Com o euro, a festa acabou. De qualquer forma, um hotel sempre será mais barato em Lanzarote ou Tenerife do que em Bergen ou Tromsø. E o vinho sempre custará mais barato em Roma, Paris ou Barcelona do que em Estocolmo ou Oslo.

Dona Dilma está tentando acabar com a fugaz festa dos brasileiros. Sua mensagem é: abandone essa mania de viajar. Afinal, como dizia Afonso Celso, “não há no mundo país mais belo do que o Brasil. Quantos o visitam atestam e proclamam essa incomparável beleza. Dentro do enorme perímetro brasileiro, encontra-se tudo o que de pitoresco e grandioso oferece a terra”.

Para que viajar então? “Em nenhuma outra região, se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a aurora: o sol em nenhum outro hemisfério tem os raios tão dourados, nem os reflexos noturnos tão brilhantes: as estrelas são as mais benignas, e se mostram sempre alegres: os horizontes, ou nasça o sol ou se sepulte, estão sempre claros; as águas, ou se tomem nas fontes pelos campos, ou dentro das povoações nos aquedutos são as mais puras... A formosa variedade de suas formas, na desconcertada proporção dos montes, na conforme desunião das praias, compõe uma tão igual harmonia de objetos que não sabem os olhos onde melhor possam empregar a vista”.

Fique na pátria amada, leitor. Enfrente, em nome do amor ao Brasil, os caros preços do Rio, São Paulo, Recife, Salvador, Curitiba, Porto Alegre. Pague em um restaurante brasileiro metido a besta o triplo ou mais do que você pagaria em uma boa casa em Paris. Dona Dilma, coerente com suas origens, está usando os recursos dos países totalitários do século passado, do Brasil da ditadura militar inclusive: impedir, ou pelo menos dificultar, as viagens ao estrangeiro.

Mas ainda há uma brecha. O IOF para travellers checks e compra de moeda estrangeira continua sendo de 0,38%. Volte à condição de turista marsupial. Em vez de cartão de crédito, leve dinheiro na barriga. Mas faça isto logo. Se bem conheço os bois com que lavro, a sanha fiscal do governo vai logo fechar esta última janela.

domingo, março 27, 2011
 
ENCASTELADO NO VATICANO,
PAPA DEFENDE ESPAÇO PARA
OS MUÇULMANOS NA EUROPA



Bento XVI conclamou, na sexta-feira passada, os crentes e não crentes reunidos no que chamou de Átrio dos Gentios, diante da Notre Dame de Paris, a “deixar cair as barreiras do medo do outro, do estrangeiro”. O Átrio dos Gentios é uma criação do Vaticano, para favorecer o diálogo entre crentes e não-crentes. “Muitos reconhecem que eles não pertencem a uma religião, mas desejam um mundo novo e mais livre, mais justo e mais solidário. Cabe a vocês de fazer que em vossos países na Europa, crentes e não-crentes encontrem o caminho do diálogo”, disse o Bento.

Mas não era bem do outro, nem dos estrangeiros – e muito menos dos não-crentes - de quem falava Sua Santidade. Seu discurso, segundo o Nouvel Obs, fazia eco às inquietações dos religiosos da França, face ao que chamam de estigmatização dos muçulmanos. Gentios, para a Igreja, não são exatamente os ateus. Mas todos aqueles que não participam de sua fé nem de seus dogmas.

“Se se trata de construir um mundo de liberdade, de igualdade e de fraternidade – disse o papa, fazendo uma homenagem dissimulada aos revolucionários de 1789 que, entre outras providências, confiscaram os bens da Igreja - crentes e não-crentes devem se sentir mais livres de serem iguais em seus direitos de viver sua vida pessoal e comunitária em fidelidade a suas convicções”.

Como se pudessem ser cultivadas estas flores – liberdade, igualdade e fraternidade – entre duas culturas, quando uma delas considera a mulher um ser inferior, que deve ser castrada e obediente a seu amo e senhor. Como se algum muçulmano desejasse algum mundo novo, mais livre, mais justo e mais solidário. A única coisa que os muçulmanos almejam na Europa é a preservação de seu mundo arcaico e de seus bárbaros costumes.

“Uma das razões de ser deste Átrio dos Gentios – insistiu o vice-Deus – é de trabalhar por esta fraternidade além das convicções, mas sem negar suas diferenças”. Ora, as diferenças entre Ocidente e Islã são incontornáveis. Mas os sacerdotes são todos cúmplices, sejam de quais religiões forem. Padre não briga com padre. Nenhum aiatolá de Roma vai atacar os aiatolás de Teerã ou os mulás do Cairo ou de Bagdá. Todo código de deontologia é um acordo entre canalhas. Vigarista algum acusa o colega de vigarice.

“Sejam atentos a estabelecer laços com todos os jovens sem distinção – disse Bento – não esquecendo aqueles que vivem na pobreza e na solidão, os que sofrem do desemprego, da doença ou se sentem à margem da sociedade”. Ironicamente, Sua Santidade se dirigia ao país que sustenta, com sua Previdência Social, os coitadinhos dos jovens árabes e africanos que se julgam no sagrado direito de ter quatro mulheres, cortar-lhes o clitóris e espancá-las quando bem entenderem. Sem falar no direito adquirido de queimar carros dos franceses impunemente, a cada final de ano.

Encastelado no Vaticano - presente de Mussolini à Igreja, sempre é bom lembrar - cidadela que jamais teve o ônus de abrigar levas de imigrantes, Bento conclama a Europa a dormir com o inimigo. Melhor Sua Santidade ficasse calada. Passaria talvez por inteligente.

 
AINDA SOBRE ILHA DAS FLORES,
O EMBUSTE DE JORGE FURTADO



Comentei há pouco o premiado embuste zdanovista de Jorge Furtado, o curta Ilha das Flores. O leitor Ivan Ferraz me remete a um artigo de 2009, assinado por Carlos Alberto Soares.

A VERDADE SOBRE ILHA DAS FLORES

Em recente reapresentação pela RBSTV, afiliada da Globo no Rio Grande do Sul, o filme Ilha das Flores, do diretor Jorge Furtado, a passos de completar vinte anos de sua criação, ainda traz uma polêmica a ser discutida sobre suas verdades. Mostrando o ciclo do tomate desde o cultivo, até a troca por dinheiro e a chegada à mesa do consumidor e o seu descarte, indo parar no lixão da Ilha dos Marinheiros, e não na Ilha das Flores (pelo menos essa menção de lugar o diretor frisou bem ao final da apresentação). A Ilha das Flores e a Ilha dos Marinheiros situam-se nas proximidades de Porto Alegre e são banhadas pelo Rio Guaíba, que principalmente em época de chuvas torrenciais eleva o seu nível, causando transtorno a uma população sofrida.

O filme, além de ter fotografias e imagens de péssima qualidade, foi agraciado com vários prêmios. Os moradores carentes da região serviram ao propósito do diretor – na verdade foram enganados, pois não sabiam que iriam servir de chacota internacional. A montagem das imagens foi sugerida pela direção e não retrata ao todo uma realidade. Existem, sim, catadores de materiais recicláveis, pessoas que com autorização da administração do lixão buscam o alimento que os supermercados e o Ceasa descartam, mas que são separados e podem ser reaproveitados para essa finalidade.

Nos descartes também vão frutas, legumes em perfeito estado de conservação, que por descuido dos trabalhadores vão parar no lixo. Alguém os separa, deixando-os livres para que aquela população faça uso. O filme quer mostrar que os tomates, os alimentos retirados do lixão, são os que os porcos rejeitam! Mentira! Os porcos não rejeitam tomates nem alimentos podres! Além do mais, as pessoas que serviram de figurantes e que vivem dentro de uma realidade de pobreza tiveram conotações desprezíveis, com seus intelectos abaixo dos porcos.

Em resumo: o filme destaca que tudo é verdade e inicia dizendo que "Deus não existe". Isso é uma questão de opinião do diretor. A verdade é que Jorge Furtado continua ganhando dinheiro com esse filme de péssima qualidade técnica e coloca o porco acima do ser humano que vive nessa região. Essa região é o Brasil que, visto lá de fora, não possui intelecto acentuado.

Fica aqui, meu pedido de perdão a todos os que participaram do filme (muitos já se foram) e foram usados pela hipocrisia em nome da arte cinematográfica. Convite! Visitem A Ilha das Flores, a Ilha dos Marinheiros, e conheçam suas verdades.

Carlos Alberto Soares - Cal55

sábado, março 26, 2011
 
A ALEMANHA E O TITANIC


El País comentou há pouco, em tom despectivo, o livro Deutschland schafft sich ab (A Alemanha se destrói), de Thilo Sarrazin, ex-diretor do Bundesbank e membro do Partido Socialdemocrata Alemão (SPD). Seis meses após seu lançamento, o livro se converteu em um caso editorial sem precedentes e vendeu 1,2 milhão de exemplares na Alemanha, em apenas seis meses.

E não por acaso: o autor acusa os imigrantes turcos e alemães de constituírem “o coração do problema”, devido à sua escassa integração e sua dependência massiva das ajudas sociais. Em 2009, às vésperas do 20º aniversário da queda do Muro, dizia Sarrazin:

“A integração requer um esforço por parte de quem quer se integrar. Eu não respeito quem não quer fazer este esforço. Não tenho porque reconhecer aqueles que vivem das ajudas públicas, mas negam a autoridade do Estado que as outorga, não educam seus filhos e produzem constantemente mais meninas com véus. Isto vale para 70% da população turca e 90% da população árabe em Berlim”.

Sarrazin, por afirmar o óbvio, foi acusado de racismo. Foi absolvido da acusação, mas perdeu seu emprego no Bundesbank e está por ser expulso do SPD. Embora interprete o pensamento da maioria dos alemães – prova disto é a espantosa vendagem de seu livro – provocou a ira das esquerdas que herdaram o ódio de Marx à Europa e tentam destruí-la. Se o marxismo falhou nesse intento, quem sabe o Islã tem sucesso.

Para Sarrazin, a “Alemanha tem, desde os últimos 40 anos, uma taxa de nascimento de 1,4 criança por mulher; isto significa que a população alemã se torna cada vez menos a cada geração. A Espanha, apesar de anos de retardamento, tem o mesmo problema com os nascimentos. Ao mesmo tempo, a natalidasde se distribui na Alemanha de maneira irregular nos distintos níveis de educação. Isto significa que os estratos sociais menos instruídos obtém uma maior média de nascimentos, e por esta razão o potencial da Alemanha se anula ainda mais rapidamente que a população. Em terceiro luga, o tipo de imigração que temos não é o adequado para resolver os problemas que nos afetam. Agora necessitamos apenas de trabalhadores qualificados. Se a taxa de nascimento dos imigrantes incultos, procedentes da Turquia e África, segue constantemente em alta, em poucas gerações a Alemanha terá uma maioria de população turca, árabe, africana e muçulmana”.

O que é óbvio. O que o autor está dizendo, no fundo, é que os imigrantes das zonas pobres do mundo ameaçam baixar o nível médio de inteligência de um país tão culto e desenvolvido como a Alemanha, como constata o próprio jornalista de El País. Mas o óbvio não convence o repórter:

- Quando olhamos para a Alemanha, não se vê por nenhum lado que a situação seja tão dramática...

Responde Sarrazin:

- A gente que bebia no bar do Titanic tampouco se dava contas de nada: a orquestra tocava, todo mundo estava bem, e nas primeiras horas ninguém notou o problema. Apesar disto, estavam condenados à morte, porque a água continuava entrando na nave.

Esta preocupação está longe de ser nova. Há mais de três anos, comentei Os últimos dias da Europa, no qual o historiador alemão Walter Laqueur analisa os problemas da imigração africana e muçulmana na França, Alemanha, Reino Unido e Espanha. Para dar uma idéia do livro, vou ater-me ao Estado alemão que, a crer-se no relato do autor, rendeu-se definitivamente à barbárie islâmica.

Os alemães começaram a receber turcos na segunda metade dos anos 50, em virtude de falta de mão-de-obra. Eram os gastarbeiter – trabalhadores convidados – que acabaram sendo hóspedes definitivos. Nos anos 70, a migração prosseguiu. Muitos pediram asilo político, quando em verdade fugiam das condições econômicas de seu país.

Os assistentes sociais “mostraram aos turcos como manipular a rede de seguro social, ou seja, como tirar o máximo de ajuda financeira e de outros tipos do Estado e das autoridades locais, dando um mínimo de contribuição ao bem comum”. O mesmo, diga-se de passagem, ocorreu na Dinamarca. Assistentes sociais adoram subdesenvolvidos. Ao contrário dos que imigraram para a França ou Grã-Bretanha, que de alguma forma arranhavam o francês ou o inglês, os turcos não falavam alemão e se isolaram em seus guetos. Seus filhos podiam até ir para as escolas alemãs, mas as filhas não podiam participar de atividades esportivas, excursões com as turmas ou aulas de biologia em que se falasse de sexo. “Insistiam no ensino islâmico na escola e ia aos tribunais para garantir seus direitos. Por fim, conseguiram.

As autoridades alemães contrataram professores de religião, em sua maioria estrangeiros fundamentalistas e que que ou não falavam alemão ou tinham um domínio mínimo do idioma”. Como as autoridades alemães achavam que o ensino religioso devia ser ministrado em alemão, a isto se opuseram as organizações religiosas turcas e o próprio governo da Turquia. “Os tribunais alemães, na dúvida, decidiam em favor dos muçulmanos. Rejeitavam as denúncias de não-muçulmanos com relação ao barulho provocado pelos alto-falantes das mesquitas, que amplificavam as convocações e preces dos muezins”.

As conquistas turcas avançaram. Metin Kaplan, um criminoso turco condenado a quatro anos por incitamento ao assassinato, recebeu da cidade de Colônia mais de duzentos mil euros a título de assistência social. A Milli Goerus, organização turca incrustada na Alemanha, tem como projeto um país que viva segundo as estritas leis do Islã, mesmo que para isso seja preciso fazer certas concessões até que os muçulmanos constituam maioria. O grupo tem em torno de 220 mil militantes e dirige cerca de 270 mesquitas na Alemanha. “Ela visa substituir a ordem secular no país em que vivem por uma outra baseada na sharia – a lei islâmica – , primeiramente naquelas regiões em que os muçulmanos são maioria, ou uma minoria representativa, e posteriormente à medida que seu espaço se expanda”.

Laqueur nos traz relatos insólitos dos bairros de Kreutzberg, Wedding, Neukoelln e outros habitados por turcos. Neles existem bancos, agências de viagem, lojas e consultórios médicos turcos. “Rapazes param as pessoas nas ruas e lhes dizem que, se não são muçulmanas, devem deixar as redondezas. As crianças alemãs têm sido expulsas de playgrounds. Na escola, os não-muçulmanos são pressionados a jejuar durante o ramadan, as garotas não-muçulmanas são coagidas a usar roupas parecidas com as das garotas muçulmanas ou, pelo menos, saias, calças ou camisetas que não sejam consideradas indecentes. Pais de estudantes tiveram conhecimento de que, sejam quais forem as orientações que a escola lhes dê, a mesquita e suas aulas têm sempre a prioridade”.

Ou seja, tá tudo dominado – comentei na ocasião. Os alemães já não mandam mais no próprio país. Seus próprios filhos têm de submeter-se a evitar determinados bairros e aos costumes islâmicos. E a Alemanha continua convidando muçulmanos para seu leito. A Lei de Cidadania de 2000 tornou mais fácil para os turcos obter a cidadania alemã. “Cerca de 160 mil têm se beneficiado anualmente desse direito”. Não bastasse isto, o governo alemão gasta atualmente cem milhões de euros por ano para promover a integração… com o inimigo.

A situação na França, Reino Unido e Espanha não é menos alentadora. Laqueur já aventa a possibilidade de regiões binacionais autônomas na França. Os muçulmanos poderiam fazer concessões com relação à sharia, e as autoridades francesas poderiam desistir do velho modelo republicano, com uma clara divisão entre Igreja e Estado. Em meio a isso, os judeus que se cuidem. Talvez muito em breve sejam forçados a um novo êxodo do velho continente.

Se a Europa, como a conhecemos, afundar, não terá sido por falta de alertas. Enquanto isso, leitor, siga o conselho que não canso de repetir: visite a Europa antes que acabe. Nossos netos não terão essa ventura.

sexta-feira, março 25, 2011
 
DONA DILMA AFASTA
O BRASIL DA EUROPA



Comentei, no início da semana, o Restaurant Week (RW), evento que reúne em São Paulo 223 restaurantes que oferecem menus a preço menor que o usual. Durante o almoço, uma refeição – sem bebida e muitas vezes com o couvert cobrado a parte – custará 29 reais. Mais um pouco e chegaram aos preços de Paris ou Madri, onde você pode almoçar o ano todo por 10 euros - 24 reais, na cotação de hoje – sem que para isso os franceses precisem organizar qualquer evento.

Olho a lista de restaurantes e vejo que jamais entrei em nenhum deles. São restaurantes nos quais as pessoas não vão exatamente para comer, beber e confraternizar, mas para serem vistas. Leitor do Rio Grande do Sul me faz observação que eu não havia notado. Um desses restaurantes se gaba de ter tido como clientes um casal que pagou uma conta de oito mil reais. Ostentação. Isso dá cinco viagens de ida e volta a Paris, com seis dias de hotel.

Mania de novos ricos, cuja única virtude – se é que é virtude – que conseguem exibir é ostentar dinheiro. Em verdade, talvez nem sejam novos ricos. Mas parasitas que vivem de dinheiro público. Isso é o que chamo de restaurantes para pessoas jurídicas. Quem paga não paga de seu bolso, mas de verbas de representação. Por três jantares desses, duas pessoas passam tranqüilamente um mês na Europa, em bons hotéis, comendo e bebendo bem. Foi o que fiz, em dezembro passado.

É preciso ser muito medíocre - ou ser pessoa jurídica - para pagar oito mil reais por uma refeição em São Paulo. E ainda há quem pague mais. Em Paris ou Madri, você come e bebe muito bem por cem ou duzentos reais.

Dona Dilma sabe disso e vai elevar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as compras no exterior com cartão de crédito de 2,38% para 6,38%. Segundo a agência Estado, o decreto com o aumento da alíquota está pronto e deve ser publicado na próxima segunda-feira. A medida tem como um dos focos conter o consumo. Os gastos de brasileiros no exterior cresceram muito no ano passado em função da valorização do real frente ao dólar. A despesa bruta com cartão de crédito em 2010 foi de US$ 10,17 bilhões. Em 2009, tinha sido de US$ 5,59 bilhões, segundo os dados do Banco Central. Quando a economia internacional oferece uma janela de conforto aos brasileiros, o governo tenta fechá-la.

O Brasil está caro? Tribute-se então o brasileiro que descobriu que França, Espanha ou Itália são países mais amigáveis do que o próprio Brasil na hora de viajar, comprar, comer e beber. A medida da presidente em pouco ou nada difere das leis da época da ditadura militar, que tornou proibitivas as viagens ao Exterior. O governo quer conter o consumo... no estrangeiro. Aqui, a indústria oferece carros a serem pagos em cinco anos.

É o Estado interferindo na economia. Seja patriota. Vá a Porto das Galinhas, Jericoacara, Lençóis Maranhenses, Florianópolis, Gramado. Que mania é essa de querer flanar pelas margens do Sena, do Tevere, do Liffey ou do Spree? Afinal, temos o Tietê. Em vez do Trastevere, por que não o Trastietevere, ó brasileiro impatriota?

Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste. Ou então paga mais 4% de IOF.

quinta-feira, março 24, 2011
 

CHÁVEZ E O PARTIDO SOCIALISTA
DA REPÚBLICA SOVIÉTICA DE MARTE



Quem me acompanha, sabe que Carmen é uma de minhas óperas diletas. Devo ter umas dez Carmens em minha – como direi? – Carmenteca. Entre elas uma com a letra em italiano, que em nada difere da original. Minha preferida, a prima inter pares, é a versão cinematográfica de Francesco Rosi, com a Julia Migenes no papel da cigana. A cena da sedução de Don José é algo insólito na história da ópera. Já vi, inclusive, uma Carmen do cinema mudo. Não deve ser difícil de achar na rede. Difícil conceber uma ópera muda. Mas existe. Legendada.

Mas duvido que os cultores do bel canto conheçam a Carmen mais divertida que vi em minha vida. Produção gaúcha, foi dirigida por Milton Barragan e tem Mary Terezinha como personagem-título e Teixeirinha no papel de Don José. Juro.

“Misto de aventura, drama e comédia, este filme é tributo de Teixeirinha à sua grande amada Mary Terezinha. A história envolve a paixão arrebatadora do cantor gaúcho por uma bela cigana e todas as complicações que uma gangue de malfeitores arruma para atrapalhar o final feliz. Encenado em Porto Alegre, Teixeirinha mostra os costumes do povo cigano, com suas lendas, músicas e hábitos”. É o que diz a propaganda do filme.

Teixeirinha foi um personagem curioso da cultura gaúcha. Sem ser comunista nem roqueiro, sua música era curtida na França, Suécia, Romênia, Estados Unidos, Rússia e África, sempre levado por portugueses. Vi discos do Teixeirinha numa vitrine em Estocolmo e ouvi Coração de Luto no Marché aux Puces, em Paris. Lá, contou-me um angolano que radinho que não tocava Teixeirinha é porque estava sem pilhas. Era muito escutado nas casernas de soldados russos e cubanos. Por quê, não tenho a mínima idéia.

Baixinho e barrigudo, Teixeirinha apresentava problemas para ser transformado em galã. Certa vez, a produção de um de seus filmes, cortou um eucalipto enorme em meio à mapa, sobre o qual o cantor executaria uma de suas canções. Não deu pé. O eucalipto era muito grosso e o Teixeira ficava com as pernas balançando no ar. A produção teve de cortar um eucalipto menor. Outro detalhe: no roteiro de seus filmes, só ele podia beijar sua parceira. Como tinha pouca estatura, para beijá-la precisava subir em um banquinho. No cartaz acima, ele está mais alto que a Mary. Na verdade, dava pelos peitos da moça. Mary Terezinha fugiu mais tarde com seu Escamillo, no caso o astrólogo particular do Teixeirinha. Mas isto já é outra história.

Assim era o ator. Vi sua Carmen no cinema Vitória, em Porto Alegre. Eu chorava de rir, chorava mesmo. A barriga me doía. Eu era o único que ria na platéia. Os demais espectadores estavam comovidos com o don José pampeano e suas atribulações. O pior de tudo é que não podia comentar o filme. Barragan, o diretor, era de um meus melhores amigos – sempre descobria em que parte do mundo eu estava para telefonar-me no réveillon - e eu não tinha a coragem de magoá-lo.

Há uma certa estética no grotesco. Talvez estética não seja a palavra adequada. Mas enfim, algo que fascina. Ou, pelo menos, faz rir. Sou cultor desta outra espécie de humor. Um outro filme que divertiu imensamente foi Aelita, a Rainha de Marte, de 1924, dirigido por Yakov Protazanov. Encontrei-o por acaso em uma locadora cá de São Paulo.

A história, baseada em um conto de Alexei Tolstoy – não confundir com o Leon - transcorre no alvorecer glorioso do comunismo. A nova doutrina se expande pelo sistema solar e chega a Marte. Los, um engenheiro que vivia em Moscou, sonhava com Aelita, a rainha de Marte. Levado pelo impulso do amor, constrói uma espaçonave e parte para Marte em busca de seus sonhos. Chegando lá, se encontra com Aelita e os dois se apaixonam. O engenheiro russo acaba se envolvendo com o proletariado marciano e funda o partido Socialista Soviético da República de Marte.

Não ri tanto como no filme de Teixeirinha, mas confesso que me diverti bastante. Quem quiser conferir, pode procurar trechos no You Tube e o filme todo é facilmente encontrável na rede. A arquitetura da cidade marciana e os modelitos da Aelita merecem um download.

Tudo isto para dizer que Hugo Chávez, o clown venezuelano, não laborava exatamente em equívoco, quando afirmou, na terça-feira passada, ao fazer um discurso para marcar o dia mundial da água: “Eu sempre digo, e ouço, que não seria estranho se tivesse existido uma civilização em Marte, mas talvez o capitalismo tenha chegado lá, o imperialismo chegou e acabou com o planeta”.

Alexei Tolstoy que o diga. Aelita, a rainha de Marte, confirma. Que uma rainha possa conduzir uma revolução proletária, bom, isso faz parte das contradições dialéticas do marxismo.

quarta-feira, março 23, 2011
 
DA ATUALIDADE DE LUCIANA GENRO


Luciana Genro convida, via Twitter, para curso sobre a atualidade do marxismo:

Atualidade do marxismo

Painelistas:

Roberto Robaina
Afrânio Abopré

Reunida na segunda-feira, dia 07 de fevereiro, a Executiva Estadual do PSOL deliberou pela realização de um ciclo de debates sobre a situação política, os desafios da esquerda, a história, a teoria e as lutas em curso no mundo, no Brasil e no Rio Grande. Durante cinco semanas no período de fevereiro e março estivemos impulsionando um debate vivo e aberto sobre temas fundamentais da atualidade.

Encerraremos o ciclo com o painel Atualidade do marxismo, por Roberto Robaina, presidente do PSOL gaúcho e Afrânio Boppré, presidente em exercício do PSOL nacional.

Pedimos a cada um de nossos militantes, simpatizantes e amigos que participem e convidem colegas, vizinhos, familiares e amigos. Vamos juntos enriquecer nosso partido e fortalecer nossa unidade e luta.

Participem!

Construindo uma alternativa de esquerda


Pode? Em pleno século XXI? Será que as notícias sobre a queda do Muro ainda não chegaram a Porto Alegre? Nem sobre o desmoronamento da União Soviética? Essa gente ainda não se deu conta do ridículo de ser marxista nestes dias? Nunca ouviram falar de Kravchenko? Das denúnicas de Nikita Kruschov no XX Congresso do PCUS, de 1956? Trotskista, Luciana nunca ouviu falar de Kronstadt?

Que o pai da Genro continue stalinista, se entende. Árvore velha não se dobra. Sempre defendeu o comunismo e o stalinismo e renunciar ao obscurantismo seria negar tudo o que escreveu. Esclerose é isso mesmo, enrijecimento do cérebro. Mas Luciana Genro tinha 18 anos quando caiu o Muro. Tinha 20 quando a União Soviética esfacelou-se. Terá tapado a cabeça com um travesseiro para não ouvir o rumor do mar?

Parafraseando outro velho comunossauro, a história passou na janela e só a Luciana não viu.

 
CAROS TAMBÉM NO CANADÁ


De Edmonton, me escreve Daniel Garros:

Concordo...

Aqui em Edmonton, abriu uma churrascaria (Pampas), há três semanas. Está sempre lotada, o sujeito tem que fazer reserva com antecedência... E custa 45 dólares o espeto corrido com 10 carnes. Os donos investiram um milháo de dólares, e querem tirar isso em um mês, eu acho.

Os canadenses dizem que a comida é muito original e boa. Nós não fomos ainda. Os proprietários trouxeram a mesa fria para as saladas e a churrasqueira diretamente de Caxias do Sul!!! Imaginem!

O jornal local não cansa de trazer artigos sobre esse jantar estranho... carne e mais carne. Não lembramos de nenhum outro restaurante novo que tenha trazido tanto buzz na cidade e por incrível que pareça, é o restaurante do momento. O que não deixa de falar volumes sobre o tipo de cidade onde a gente mora, pois se fosse Toronto e Vancouver, com muitas mais opções gastronômicas não teria feito esse sucesso...Talvez porque Alberta é a terra do bife.

O comentário negativo foi que aperitivos tipo polenta frita e mandioca frita náo tinham um "dip" apimentado para umedecê-los. Mania daqui comer tudo com dip e com bastante pimenta. Mas se pedir um vinho baratinho e uma sobremesa não sai de lá pagando menos de 80 dolares por cabeça.


Pois, Daniel, tanto em Paris ou Madri se come muito bem, ao meio-dia, por dez euros. Com sorte, com meia jarra de vinho da casa incluída. Aqui em São Paulo, em restaurante francês, só a entrada custa uns 20 euros. Vinho, a partir de 40 ou 50 euros.

Em Madri, comi soberbos cochinillos e lechales por 25 euros. Em 87, quando morei lá, eu fazia excelentes almoços a 5 dólares. Entrada, prato e sobremesa, com direito a meia garrafa de vinho. Só que o garçom sempre trazia uma garrafa inteira.

- Pero no es media botella?
- Beba lo que quiera, caballero!

terça-feira, março 22, 2011
 
MEUS TEMPLOS DILETOS


Pois, Ana, confesso que jamais freqüentei restaurantes brasileiros no Exterior. Entrar, até que entrei. Foi nos anos 70, em Paris. Uma amiga francesa convidou-me para um “brésilien” na Mouffetard. Entrei, olhei os preços e dei meia volta. Absurdos. Quando viajo, evito não só restaurantes brasileiros, como também brasileiros. Os turistas de Pindorama, quando no estrangeiro, são um desastre. Sem falar que não me sinto viajando se não ouço em minha volta outras línguas que não a minha.

Ainda há pouco, uma amiga acenou-me com um cruzeiro pela costa brasileira. Declinei da sugestão, horrorizado. Depois que a CVC monopolizou estes cruzeiros e a classe média tupiniquim invadiu os transatlânticos, não entro nem atado em nenhum deles. Há cruzeiros temáticos, com shows diários de cantores vagabundos, tipo Roberto Carlos e Zezé di Camargo, o que para mim seria uma ante-sala do inferno. E de um cruzeiro não se pode descer. Cruzeiros, só topo no Canadá, Escandinávia, Terra do Fogo. Paragens que poucos patrícios ousam.

Volto aos restaurantes. Você me fala da churrascaria em Seattle, onde um rodízio com sete tipos de carne custa 40 dólares. Bom, aqui pode custar bem mais caro. Na Vento Haragano, reputada como a melhor churrascaria de São Paulo, paga-se hoje 92 reais. Isto é, 55 dólares. Por cabeça. Mas justiça seja feita: oferece uns trinta tipos de carne e tem uma adega com mais de 600 rótulos, de 14 países. A carta de vinhos mais parece um incunábulo. O vinho, bem entendido, não está incluído no preço do rodízio. Os garçons são especialistas em carnes, quase todos de Nova Brescia, cidade que, pelo que sei, tem exportado churrasqueiros até para os Estados Unidos.

A Vento Haragano é cara, sem dúvida alguma. Mesmo assim, recomendo. Ah! O chimarrão é brinde. Gosto de levar lá amigos franceses. Eles saem de lá plenos de graça.

Comentei outro dia que cortei relações com uma colega de magistério que, apesar dos restaurantes que lhe recomendei em Madri, só comeu em McDonalds. Sem querer, feri susceptibilidades, e houve quem me perguntasse que tinha eu contra quem come em Mcs. A rigor, nada. Mas quem vai a Madri e só come fast food deveria ser excluído da raça humana. Da mesma forma, diria, o brasileiro que mal chega em Paris e sai correndo atrás de um restaurante brasileiro.

Aconteceu nos anos 70. Na crônica que enviava diariamente para a Folha da Manhã, de Porto Alegre, eu deixava meu endereço e telefone. O que me rendeu muitos amigos e namoradas. Mas também muitos chatos. Certo dia, telefonou-me alguém, apresentando-se como meu leitor. Convidava-me para uma janta. “Conheces algum restaurante com uma comidinha das nossas?”

Achei que deveria viver há muito no Exterior e estaria com saudades de uma feijoada ou moqueca. Perguntei onde vivia.
- No Brasil. Esta é minha primeira viagem à Europa.
- Há quanto tempo estás aqui?
- Cinco dias. Já fiz três países.

O bruto era daqueles que faziam três países em cinco dias. Mal chegara em Paris, cidade que é uma festa gastronômica, e já estava com saudades de uma feijoada. Não podia ser meu leitor. Despachei-o incontinenti. Não, eu não conhecia nenhum restaurante brasileiro.

Falei também, outro dia, de minha ojeriza a copos de plástico. Você me fala, Ana, de outra mania que me horripila, a das cadeiras de plástico. É uma praga que invadiu o planeta. Em reportagens televisivas, já as vi até em prédios bombardeados na Palestina e no Afeganistão. Sei lá por quê, evito qualquer bar onde as encontro. Abro uma exceção para um botequinho aqui em São Paulo, onde tomo algum chope nos fins de semana. Nem sempre se come pão quente. Mesas de plástico também me desagradam.

Sua observação me leva a divagações. Como Buñuel, considero os restaurantes templos de recolhimento. Tenho médicos que acham que um homem só vai a um bar para beber. Tenho de explicar-lhes pacientemente que tais casas são bons lugares para ler, meditar, conversar, namorar, estudar, escrever. E também beber, é claro. Se vejo alguém sozinho numa mesa, bebendo e sem um livro na mão, logo deduzo: é um bebum. Mas se está lendo, é diferente: é um leitor que bebe.

Daí meu apreço por aqueles cafés da Europa, que tanta falta me fazem aqui. Paredes forradas de madeira, mármores e lustres de permeio. O Central e o Schwartzenberg, de Viena. O New York, o Gundel, o Gerbeaud, de Budapeste. O Nicolai e o Kafe Literaturnoje, em São Petersburgo. El Oriente, Gijón, Sobrino de Botín, Venencia, em Madri. El Greco, em Roma. Florian, em Veneza. O Aurélio, em Toledo, o Candido e Conde Duque, em Sevilha. Los Caracoles, Salamanca, Sept Portes, em Barcelona. O Tavares, o Nicola, Berlenga, Polícia, a Brasileira do Chiado, o Martinho da Arcada, em Lisboa. A Tasca do Chico, em Sintra. O Metropole, em Bruxelas. (Aliás, só vou a Bruxelas para refestelar-me neste café. A Grand Place é detalhe). O Zimmer, Aux Charpentiers, Bofinger, Julien, Le Temps de Cerises, Le Procope, o Tire-Bouchon, em Paris.

Nos últimos vinte anos – ou talvez mais – só tenho viajado para visitar esses templos de recolhimento. Monumentos me entediam. Museus, ni pensar. (Exceto os Museos del Jamón, em Madri. Sou habitué). Mais ainda: não procuro nenhum templo novo. Revisito sempre os mesmos. Segundo a medicina, sou um alcoólatra. Discrepo. A meu ver, sou um monge em busca de locais propícios à meditação.

Dezembro passado, em Paris, tive um certo conflito com a Primeira Namorada. Ela queria caminhar, ver coisas, explorar a cidade. Eu não queria ver nada. Ela é jovem. Eu já vi o mundo. Em cidade que não conheço, ok. Mas se já conheço bem a cidade, viro sedentário. No que dependesse de mim, nem saía do Quartier Latin. Em Madri, me custa muito afastar-me mais de mil metros da Puerta del Sol.

Queria apenas sentar-me em meus botecos diletos, sentir-me em Paris, e nada mais do que isso.

 
CAROS TAMBÉM
NO EXTERIOR



Da Ana, minha fiel correspondente nos States, recebo:

Janer,
os restaurantes brasileiros tambem costumam cobrar precos absurdos fora do solo patrio. Em Seattle, tem uma churrascaria brasileira que cobra 40 dolares pelo rodizio de no maximo uns 7 tipos diferentes de carnes. Tambem esse mesmissimo restaurante vende feijao simples como se fosse feijoada, sem o ingredientes que caracterizam uma verdadeira feijoada. Quem nao conhece a culinaria brasileira, compra gato por lebre sem saber. Ainda nesse mesmo estabelecimento, uma reles coxinha custa 7 dolares, e um pave' de maracuja', 8 dolares.

Ano passado, viajamos para San Diego (CA), e resolvemos visitar um restaurante brasileiro por la. Ao chegarmos, nos deparamos com um ambiente super simples, pequeno, apertado, com cadeiras de plastico, sem nenhum conforto. Meu marido e eu pedimos um prato com feijao, arroz, bife 'a milanesa, vinagrete e farofa.

Acrescentamos duas coxinhas, e um guarana' com gosto de xarope. Resultado: saimos de la' com uma conta de 80 dolares e sensacao de termos sido acintosa e cinicamente roubados. Na televisao, estava passando um jogo de futebol da selecao brasileira, ao qual nem prestamos atencao. Vai ver, incluiram o valor do ingresso na nossa conta.

A titulo de comparacao, nos restaurantes mexicanos, que tambem servem partos 'a base feijao, arroz e vinagrete, eu pago por volta de 11 dolares por uma refeicao semelhante 'a que comi no restaurante brasileiro em San Diego, que nos cobrou 19 dolares por prato.

Em janeiro ultimo, nos fomos em um restaurante italiano, e la' comemos uma deliciosa bisteca encrustada de parmesao mais acompanhamentos igualmente deliciosos, alem de salada e bread sticks, que podiam se repetidos quantas vezes quisessemos. Juntando isso com as bebidas, nossa conta foi 66 dolares, incluindo a gorgeta. Sem comentarios, ne'? Comemos muito mais e melhor, em um ambiente bem mais confortavel e com melhor servico, e por um preco mais aprazivel.

Enfim, mudam de pais, mas nao mudam o mau habito. Fico surpresa que restaurantes brasileiros, com esses precos e servicos, consigam continuar existindo por aqui. Assim como acontece em Sao Paulo, acho que eles devem ser mantidos por alguns gatos pingados brasileiros que vivem por estas bandas e aceitam serem extorquidos, e deslumbrados, depois contam vantagens pros americanos, dizendo que a comida brasileira e' fina, pois eles pagam caro por ela- acredite, ja' vi brasileiro idiota fazendo isso por aqui.

Abraco,
Ana

segunda-feira, março 21, 2011
 
O CUSTO PAULISTANO: AO BAIXAR
OS PREÇOS, RESTAURANTES AINDA
SÃO MAIS CAROS QUE OS DE PARIS



Começa hoje em São Paulo a oitava edição de um evento gastronômico que não me cheira bem, o Restaurant Week (RW), com a participação de 223 restaurantes que oferecem menus a preço menor que o usual. Durante o almoço, uma refeição – sem bebida e muitas vezes com o couvert cobrado a parte – custará 29 reais. Mais um pouco e chegaram aos preços de Paris ou Madri, onde você pode almoçar o ano todo por 10 euros - 24 reais, na cotação de hoje – sem que para isso os franceses precisem organizar qualquer evento.

Durante a janta, a refeição custará 39,90 reais. Com mais sete reais, você come no sofisticado Le Procope, de Paris, considerado o restaurante mais antigo do mundo, que tem um menu a 19,90 euros. O ano todo, e não durante apenas uma semana.

O RW tem seus senões. Como aos paulistanos agrada a idéia de comer em restaurantes estrelados, você precisa reservar mesa com antecedência. Se não reservou, pode esperar até uma hora na fila. Com um detalhe: isso se quiser comer pelo RW. Se aceitar os preços normais da casa, a mesa surge na hora.

Mais dois detalhes safados. Restaurantes que ofereçam música ao vivo vão lhe empurrar o couvert artístico. Por outro lado, muitos restaurantes omitem os pratos que normalmente servem e oferecem outros de confecção mais barata. Ninguém vai esperar angulas ou trufas por 30 ou quarenta reais, é verdade. Mas se a intenção do RW é aproximar da gastronomia pessoas a ela alheias, deveriam oferecer seus pratos usuais.

Mais ainda: em muitos restaurantes, os garçons servem com pressa, para desocupar as mesas. Ou seja, se você quiser ser roubado, participe do grande evento. O RW é um embuste gastronômico. Quando São Paulo baixa os preços da restauração, mal consegue se aproximar dos preços de Paris.

Ainda há pouco eu afirmava que não é o custo da mão de obra e do metro quadrado que encarecem a restauração no Brasil, como pretendem os proprietários de restaurantes. Nem a alta incidência de imposto. O que está tornando o Brasil um dos mais caros países do mundo é essa maldita mania de status de uma nova geração de nouveaux riches, que considera que pagar caro os torna mais nobres, refinados e elegantes que os demais mortais.

Ao que tudo indica, os jornais estão começando a intuir o óbvio. Leio no Estadão que São Paulo é atualmente a cidade mais cara das Américas, de acordo com a Pesquisa Global Mercer do Custo de Vida. Freqüentar uma academia de ginástica na capital paulista sai pelo dobro do preço cobrado em Londres, enquanto jantar em um restaurante estrelado por aqui é mais salgado que um similar em Paris.

Se é! Mas isto não é de hoje. Faz uma boa década que comer em Paris é mais barato do que comer em São Paulo. O Estadão recém descobriu que há em São Paulo um custo particular, o "custo paulistano": cobra-se mais para conferir um aspecto de luxo ao produto ou ao lugar.

"É um custo de status. Você pode colocar um preço alto, cobrar R$ 500 por um ingresso de show, R$ 25 pelo cinema, R$ 200 por um jantar, e vai ter gente para pagar essa conta, porque o mercado está aquecido e porque o paulistano paga aquilo quase como símbolo de ostentação", diz o economista Gustavo Fabron, que trabalha com tendências de mercado para empresas estrangeiras que abrem filiais em São Paulo. "Essas indulgências custam até 250% a mais do que em outras capitais brasileiras e fazem os preços aqui ficarem absurdos".

Duzentos reais são 85 euros. Por esse preço, duas pessoas comem muito bem em Paris. Em dezembro passado, eu a Primeira Namorada pagamos no máximo 100 euros por uma janta. Nos mais charmosos restaurantes às margens do Sena. Com vinho e ainda algum Calvados. Os restaurantes de São Paulo, quando baixam os preços, continuam sendo mais caros que os de Paris. Se você quer comer bem e barato, trate de atravessar o Atlântico.

O homem é o homem e suas circunstâncias, dizia Ortega y Gasset. Dadas minhas circunstâncias, não posso eximir-me de pagar caro. Uma vez por ano, pelo menos, viajo para onde se pode comer e beber mais barato.

domingo, março 20, 2011
 
JORNALISTA DA FSP
E CINEASTA GAÚCHO
SAEM EM DEFESA DA
MÁFIA DO DENDÊ



Em indignado artigo na Folha de São Paulo, jornal que pretende ter o rabo preso com o leitor, o articulista Fernando Barros e Silva, tão Catão quando se trata de acusar os mensaleiros, tomou agora a defesa da Máfia do Dendê, que tomou de assalto o Erário. E acusa de “macarthismo chulé” as pessoas que se escandalizam com o assalto dos baianos ao bolso do contribuinte.

“Ninguém desviou dinheiro público, não há, rigorosamente, nenhum crime, nenhuma ilegalidade no pleito de Bethânia”, escreve o jornalista. Em sua afirmação, engana o leitor e ao mesmo tempo não se engana. Que desviou dinheiro público, desviou. Renúncia fiscal é imposto desviado do Fisco. Mas Barros e Silva está correto quando afirma que não há, rigorosamente, nenhum crime, nenhuma ilegalidade no pleito de Bethânia.

É velha safadeza de sofistas sem argumentos sólidos criar argumentos frágeis, que não existem nem foram empunhados, para melhor refutá-los. Pode ser que algum leitor desavisado, desses que confundem ética com Direito, tenha afirmado que a captação é ilegal. Mas nenhum articulista que se preze faria tal afirmação. Não faria nem fez.

Ilegal nunca foi. É imoral. Direito é uma coisa, ética é outra. Os baianos enfiaram a mão na bolsa do contribuinte seguindo rigorosamente o que prescreve a lei. Roubaram legalmente. Não poucas leis brasileiras permitem o roubo legal. Pois só pode se definir como roubo captar dinheiro público para financiar shows, DVDs ou blogs de artistas que são milionários.

Barros e Silva introduz um novo conceito de macarthismo. Se originalmente eram macarthistas os que perseguiam os comunistas nos Estados Unidos, no Brasil é macarthista quem defende seu bolso. Eu que defendo o que é meu, tu que defendes o que é teu, nós que defendemos o nosso, somos todos macarthistas chulés. O articulista da Folha, pelo jeito, tem o rabo preso com a Máfia do Dendê.

Não bastasse o jornalista paulistano tomar a defesa dos mafiosos baianos, do Rio Grande do Sul ergueu-se uma voz indignada contra esta insólita pretensão dos contribuintes de defender o próprio bolso. Em seu blog, o cineasta Jorge Furtado, outro freguês de livreta da renúncia fiscal, fala em preconceito contra os nordestinos. “Nas críticas sobram piadas contra os baianos, quase todas vindas do mesmo gueto branco direitista no enclave paulista, enfim, os eleitores de Kassab e Serra, gente que lê e cita a revista Veja e beija imagens de santo para ganhar voto e acha que poesia é uma besteira”.

Como se fossem os eleitores de Serra e Kassab os únicos que se indignam com a imoralidade dos baianos. Como se Bethânia fosse uma negra, atraindo o ódio racial do gueto branco direitista. Como se poesia fosse projeto de algum poeta para a baiana faturar 50 mil reais por mês em cima de quem faz poesia. O poeta não ganha nada, a intérprete ganha salário de executivo americano com a poesia alheia. Depois do macarthismo chulé, temos nova trouvaille no imaginário nacional, o gueto branco direitista.

O achado nem é original. Foi cunhado pelo ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, em 2006, quando afirmou que o problema de violência no Estado só será resolvido quando a "minoria branca" mudar sua mentalidade. "Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa". Claro que ninguém ousou acusá-lo de racismo. Daí derivou a expressão “elite branca”, que criminalizou no país quem quer que não fosse negro. Lembo, que é branco, excluía-se, é claro, dessa elite perversa.

Jorge Furtado é o autor de Ilha das Flores, curta de 1989 que pretende seguir a trajetória de um tomate plantado, colhido, transportado e vendido num supermercado, mas que apodrece e acaba no lixo, sendo catado por animais, mulheres e crianças. Pertence àquele gênero de documentários em que o personagem, no caso o tomate, é dirigido pelo autor. O filme é demagógico e conseguiu enganar as esquerdinhas européias, que lhe concederam um prêmio no Festival de Berlim de 1990. O muro recém havia caído e o júri, pelo jeito, ainda não se dera conta do acontecido.

Assim como os virtuosos canhões do Potemkin, no filme de Eisenstein, só atingiam os pérfidos burgueses no porto de Odessa, o tomate de Furtado se dirige célere ao lixão da Ilha das Flores, onde tem um encontro marcado com os famintos de Porto Alegre. Ator disciplinado, o tomate protagonista do “documentário” obedece cegamente ao comando do diretor do filme.

Furtado, após ter ganho galões junto às esquerdas com seu filmeco mentiroso, alugou sua verve revolucionária à Rede Globo. Subsidiado pelos tais de incentivos à cultura, sai agora em defesa dos colegas de mordomias. Como dizia Hernández, nos conselhos do Viejo Vizcacha:

Lo que más precisa el hombre
Tener, según yo discurro,
Es la memoria del burro,
Que nunca olvida ande come.

Como o burro de Fierro, Furtado não esquece onde come. Empunhar chavões como bandeira é genético na família Furtado. Em meados dos 70, sua mãe, a deputada Dercy Furtado, fez heróico discurso na Assembléia Gaúcha, empunhando o chavão libertação da mulher: “é chegado o momento de a mulher assumir seu lugar na História”. Na época, eu cronicava em Porto Alegre. “Eu preferiria, deputada, que a mulher assumisse sua conta nos bares”. Assumir o lugar na História é barbada. Assumir a conta nos bares já é bem mais complexo. Minha crônica provocou escândalo entre as gaúchas. Era época em que mulher nem sonhava em puxar a carteira em um bar. Hoje, o filho da mãe assume a bandeira esfarrapada do racismo, para condenar pessoas que se sentem mal quando são roubadas.

Não bastasse isto, a imprensa revelou que outro capo da Máfia do Dendê, Gal Costa, pediu e conseguiu a aprovação do Ministério da Cultura para captar 2,2 milhões de reais via Lei Rouanet para a realização ainda este ano do projeto Tom de Gal, com suas interpretações para músicas de Tom Jobim.

Serão oito shows (no Rio de Janeiro, São Paulo, BH, Curitiba, Porto Alegre e Salvador) que depois serão empacotados num DVD. E palhaços, que tiveram a carteira batida antes dos espetáculos, é o que não faltará para aplaudi-la.
Brasil merece.

Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
O Ministério da Cultura, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.

sábado, março 19, 2011
 
FILHOS DE ELIS USAM CADÁVER DA MÃE
PARA LEVANTAR GRANA DE MINISTÉRIO



"Uma operação Elis, com um documentário de seis horas de duração, exposição, biografia e shows da filha de Elis, Maria Rita, por cinco cidades do País, compõem um projeto maior, chamado Redescobrindo Elis. Uma captação aprovada pelo Ministério da Cultura permite a João Marcello captar até R$ 5,8 milhões com patrocinadores para as investidas, programadas para o segundo semestre de 2012. "Assim que fiz 40 anos resolvi que deveria realizar algo maior pela minha mãe. E no ano que vem serão completados 30 anos da morte de Elis."

A notícia me foi enviada por uma leitora. Dono de uma gravadora muito bem-sucedida – me pergunta a leitora - por que ele próprio não paga a conta? Essa roubalheira não vai ter fim nunca?

Não vai, caríssima. A renúncia fiscal pode ser imoral, mas no Brasil já foi regulamentada. É perfeitamente legal. Se Elis Regina morreu drogada, de corrupta não podemos acusá-la. Mas cadáver de mãe sempre rende. Outros filhos amantíssimos certamente surgirão em breve. E o contribuinte continuará pagando as homenagens.

 
PESQUISADORES DA UFRJ DESCOBREM
UM DINOSSAURO CARNÍVORO RACISTA



Nunca entendi muito bem os nomes com que os paleontólogos batizam certos espécimes pré-históricos. Por exemplo, o eoraptor, um dinossauro pequeno e leve, com cerca de onze quilos e um metro de comprimento, descoberto na Argentina. Que concluam que tenha um metro e onze quilos até que se entende. O que não se entende é seu nome, eoraptor, ladrão do amanhecer. Sugere que o bicho caçava nas madrugadas. Mas quem viu o raptor caçando? Que vestígios restaram destas práticas do dino argentino?

Outras denominações fazem sentido. Tiranossauro rex, por exemplo, significa lagarto tirano rei, ou ainda rei dos répteis tiranos, o que nos dá idéia da idiossincrasia do bichano. O Argentinossauro huinculensis, do latim "lagarto da Argentina" foi uma espécie de dinossauro herbívoro e quadrúpede que viveu na América do Sul e, como seu próprio nome sugere, foi descoberto na Argentina. O Velociraptor mongoliensis cujo nome significa ladrão veloz, era um pequeno dinossauro, feroz e agressivo , que alcançava altas velocidades e vivia na Mongólia.

O Apatosaurus Ajax tem seu nome a partir do grego apatelos (enganador) sauros (lagarto). Lagarto enganador, portanto. Como os paleontólogos descobriram que este lagarto enganava, não sei. Ajax é uma homenagem ao mitológico herói grego. O Albertossauro libratus - lagarto de Alberta - foi uma espécie de dinossauro carnívoro e bípede que viveu no fim do período Cretáceo. Assim se chama porque foi descoberto em Alberta, no Canadá. O Iguanodon bernissartensi tem esse nome porque foi achado em Bernissart, aldeia mineira do sudoeste da Bélgica, na fronteira com a França.

O Pycnonemosaurus nevesi tem sua origem em três palavras: pycnos (do grego, denso, grosso), nemus (do latim, vegetação, floresta) e saurus (do grego, réptil, lagarto), fazendo alusão ao nome Mato Grosso. Leio que o epíteto específico é uma homenagem ao falecido advogado Iedo Batista Neves. Porque um dinossauro homenagearia um advogado, confesso que não entendo.

Já o Staurikosaurus pricei é gaúcho, mais precisamente de Santa Maria. Considerada a época em que vivia, certamente não era gaúcho de asfalto. Seu prenome vem da constelação Cruzeiro do Sul (do grego stauriko, de uma cruz), para indicar que é um réptil do Hemisfério Sul. O epíteto específico é uma homenagem ao paleontólogo brasileiro Llewellyn Ivor Price.

Acaba de ser descoberto, por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o maior dinossauro carnívoro já encontrado no Brasil, que vivia no Maranhão. Tinha entre 12 e 14 metros de comprimento, pesava de cinco a sete toneladas e o atual fóssil perambulou na ilha de Cajual há cerca de 95 milhões de anos. Até aí, também se entende. Difícil de entender é o nome científico com que foi batizado Oxalaia quilombensis.

Segundo leio nos jornais, os pesquisadores do Museu Nacional da UFRJ descobriram vestígios do maxilar inferior, com sete dentes, e a narina no réptil. O nome do bicho homenageia Oxalá, divindade masculina respeitada pela religião africana e aos quilombos que existiam no Maranhão.

Por que batizar o bicho com o nome de uma divindade africana, se foi descoberto no Brasil? E por que quilombensis, se não viveu num quilombo? Quilombos, se não me engano, são um pouco posteriores à época dos dinossauros. Para um predador que viveu no Maranhão, salta aos olhos que o nome mais adequado seria Sarneysaurus maranhensis. Nem precisa explicar por quê.

Os pesquisadores da UFRJ conseguiram encontrar o primeiro dinossauro racista da pré-história. O Oxalaia, ao que tudo indica, é o mais novo militante dos movimentos negros de Pindorama. O próximo dino fóssil a ser descoberto no Brasil provavelmente se chamará Zumbinosaurus gilbertogilensis.

sexta-feira, março 18, 2011
 
PANACAS CULTUAM VIGARISTAS
QUE LHES BATEM AS CARTEIRAS



Voltando à vaca fria: o Ministério da Cultura (MinC) é tão pródigo que já nem sabe com qual mão dá milho aos porcos. Leio na Folha de São Paulo de hoje: na nota em que a assessoria de comunicação do MinC tentava explicar a falcatrua da musa da Máfia do Dendê, estava escrito que o projeto de Bethânia, aprovado para captação pela Lei do Audiovisual, havia sido aprovado pela CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura). Acontece que a CNIC só analisa projetos que se utilizam da Lei Rouanet.

Na verdade, a grana foi subtraída do bolso do contribuinte através da Lei do Audiovisual, que é gerida pela Ancine (Agência Nacional de Cinema). Os assessores de imprensa do MinC redigiram uma errata na noite de anteontem. Mudam as moscas. O substrato emético aquele continua o mesmo. A roubalheira é tamanha que o Minc já nem sabe quais armas usou no assalto.

O cineasta Andrucha Waddington, responsável pela produção de vídeos da decana da Máfia do Dendê, deixou claro que já tinha perdido a paciência. Ou os estribos. "Parece que eu tô roubando alguém", disse. Claro que está. Por que raios há de o contribuinte arcar com o financiamento de uma cantora de sucesso?

Costumo afirmar que, no Brasil, quando se puxa um fio de meada, vem um novelo junto. Bethânia teve liberados 1,3 milhão de reais para seu projeto, dos quais 600 mil iriam para sua modesta poupança. No prazo de um ano, isto dá 50 mil reais por mês, bolo de cédulas de fazer inveja até a deputados ou senadores corruptos. A deputada Jaqueline Roriz é moça tímida, de ambições modestas. Recebeu apenas um mísero pacotinho de 50 mil. Este é o pacote que Bethânia abiscoita. Por mês.

Fosse só isso, seria só isso e nada mais. Puxado o fio, veio o novelo atrás. Ainda na Folha de hoje, leio que o Minc já autorizou Bethânia a captar R$ 10,5 milhões para seis projetos culturais desde 2006. O que, de lá para cá, dá a bela soma de mais de dois milhões de reais por ano. Poucos são os deputados corruptos que conseguem levantar, no ano, tal bolada. A mesquinharia e ganância dos baianos da Máfia do Dendê é tão desmesurada que, mesmo milionários, avançam no dinheiro público.

Neste Brasil permissivo, onde em se roubando tudo dá, milhões de panacas pagam caro para comprar CDs e assistir shows de vigaristas que, antes mesmo do espetáculo, já lhes bateram a carteira.

quinta-feira, março 17, 2011
 
LA GRANDE FAMIGLIA


Charles Pilger me escreve:

Janer

Tem mais um tempero nessa história aí: os vídeos serão produzidos pela Conspiração Filmes, que tem como sócio-fundador o Lula Buarque de Holanda, que é sobrinho do ministra Ana de Holanda.


Nada de espantar, Pilger. Le famiglie sono grandi. O Ministério da Cultura, o dileto dos comunistas, sempre foi ocupado por il capo de tutti i capi. No caso, a irmã do stalinista Chico Buarque de Holanda. Na Itália, a Máfia é iniciativa privada. Mais honesta, não usa o Estado para locupletar os bolsos.

Dona Dilma sequer tem cem dias de governo e já tem corrupção das gordas em seu ministério.

 
A MÁFIA DO DENDÊ
VOLTA A ASSALTAR
COFRES PÚBLICOS



Na Folha de São Paulo, edição de ontem, Mônica Bergamo publicou uma dessas notícias cujos protagonistas prefeririam não ver na imprensa. A cantora Maria Bethânia conseguiu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 1,3 milhão e criar um blog. A idéia é que o site "O Mundo Precisa de Poesia" traga diariamente um vídeo da cantora interpretando grandes obras.

Não é de hoje que a chamada Máfia do Dendê vem metendo a mão no bolso do contribuinte. Em 2007, o Ministério da Cultura autorizou os produtores do músico baiano Caetano Veloso a usar os benefícios fiscais da Lei Rouanet para bancar os shows de divulgação de seu último CD, o “Zii e Zie”. Caetano transferiu do meu, do seu, do nosso bolso, nada menos que R$ 1,7 milhão, através do programa Bolsa-Gigolôs da Artes, também conhecido como Lei Rouanet.

Na ocasião, Juca Ferreira, o então ministro da Cultura, declarou que a Lei Rouanet não tem nenhum critério estabelecendo que os artistas bem-sucedidos não podem ter seus projetos aprovados. “No ano passado, quando eu intervim para aprovar o show da Maria Bethânia, já tínhamos aprovado projetos da Ivete Sangalo, artista mais bem-sucedida comercialmente em todos os tempos. Não podemos sair discricionariamente decidindo, sem critérios.”

Em 2006, a irmã do irmão já recebera R$ 1,8 milhão. Outra contemplada com a Bolsa-Gigolô das Artes foi a empresa da cantora Ivete Sangalo, que captou R$ 1.950.650,84, para realizar seis shows em Recife, Manaus, Salvador, Florianópolis, Vitória e Brasília. Como disse um jornalista na ocasião, a Princesinha da Axé Music Ivete não ficou bem na foto ao ser pilhada nesta história, logo ela que vivia na cozinha de ACM e passou a ter as benesses do Ministério da Cultura no Governo do PT. Não ficou bem na foto mas levou a grana e isso é o que importa.

Em 2009, foi a vez do ex-ministro Gilberto Gil ser contemplado com R$ 445.362,50 pelo Bolsa-Gigolô das Artes, para a realização do DVD "Gil Luminoso", sobre sua trajetória artística. Eita, Brasil generoso! Neste país, até vaidades pessoais merecem o patrocínio do Estado. Desde que o pavão seja amigo da Corte, é claro.

Na ocasião, disse o secretário-executivo do Ministério, Alfredo Manevy: “O dinheiro público se justifica porque aumenta a possibilidade de atender a quem não tem acesso a esse tipo de show. Não há problema em um artista consagrado receber recursos públicos, desde que isso se converta em benefícios para a população”.

Como se uma ode a si próprio, feita pelo capo baiano, trouxesse algum benefício para a população. Agora Maria Bethania rides again. A sanha dos baianos é insaciável. Milionários, apelam ao bolso dos sofridos contribuintes para alimentarem os seus. Para a criação de 365 vídeos nos quais a irmã do irmão exibiria sua voz mafiosa – perdão, maviosa – foi contratado o cineasta Andrucha Waddington, casado com a atriz Fernanda Torres.

Tutti buona gente! O cineasta considera um equívoco a polêmica em torno da decisão do Ministério da Cultura, que autorizou a irmã do irmão a captar R$ 1,3 milhão para o projeto do blog milionário. "Parece que internet não é um meio válido. Lá no blog, os vídeos vão ser vistos por milhões, e de graça. Preciso trabalhar com uma equipe, com o mesmo padrão de qualidade dos meus filmes".

Desde quando algo que custa R$ 1,3 milhão é de graça? Só no bestunto de parasitas que acham que dinheiro do Estado cresce em árvores. Ontem ainda o Ministério da Cultura pôs as barbas de molho e divulgou nota. Que a aprovação do projeto pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) "não garante, apenas autoriza a captação de recursos junto à sociedade. Os critérios da CNIC são técnicos e jurídicos; assim, rejeitar um proponente pelo fato de ser famoso, ou não, configuraria óbvia e insustentável discriminação”.

Coitadinha da Maria Bethania, tão discriminada na vida. Algumas vozes de capi menores já surgem em defesa da Máfia do Dendê, alegando que renúncia fiscal não é dinheiro público. Como que não é? Renúncia fiscal é imposto que é desviado da União para o bolso dos assaltantes do Erário. Portanto, dinheiro público.

A Internet tem uma vocação para a gratuidade. Os blogs, que surgiram inicialmente como páginas de adolescentes, se revelaram como instrumentos eficazes de expressão e hoje todos os jornais os utilizam. Que um jornalista receba pelo blog que produz, se entende. Ele está exercendo sua profissão. O que não se entende é que uma baiana queira ser financiada pelo contribuinte para tecer loas a si mesmo.

Não bastasse o contribuinte financiar as vaidades de diretores e atores do cinema e teatro nacionais, não bastasse financiar silicone e hormônios para travestis, terá de financiar uma máfia que não têm pudor algum em enfiar a mão em seu bolso.

Que o mundo precise de poesia, se entende. Já Bethânia é perfeitamente descartável. Por muito menos que isso, os Estados Unidos declararam sua independência.

 
MENSAGEM DO VITOR


Olá Janer,

É muito estranho... querer discutir a liberdade de expressão e ficar impondo o que pode ser dito.... sou seu leitor, leitor do MSM (onde por sinal, meu comentários provocam a ira de outros leitores quando discordo do artigo), acredito que o pensamento dessas organizações é “my home, my rules” como diz um amigo meu.... acredito que está faltando um pouco de coerência para essas pessoas, pois se pretendem criar uma organização para discutir a liberdade de expressão e o Estado de direito, devem estar preparados para publicar opiniões divergentes das suas opiniões pessoais, pois no meu entendimento esta “organização” deve ser independente e permitir a diversidade de pensamentos.

Abraço,

Vitor Hugo Nardi Bittarello


Que coerência se pode esperar, Vitor, de um comunista que virou astrólogo, virou muçulmano e agora se pretende cristão? São gentes de cérebro mole que nem depois de velhos sabem o que querem. O Aiatolavo vive falando em liberdade de imprensa, que a grande imprensa censura o pensamento de direita e é o primeiro a censurar os artigos dos quais discorda. Ao deletar as crônicas dos articulistas que o irritavam no MSM, falsificou a história do site, no melhor estilo stalinista. Reflexos da militância da juventude, o bracinho hitlerista que Dr. Strangelove não consegue controlar.

Neste sentido, o Instituto Millenium em pouco ou nada difere do MSM. Em verdade, há uma pequena nuança. Enquanto o astrólogo censura a posteriori, o Millenium censura na fonte. Defende a liberdade de expressão. Desde que ninguém escreva – nem contra nem a favor – sobre

- Aborto
- Pena de morte
- Células-tronco embrionárias
- Eutanásia
- Suicídio
- Legalização das drogas
- Homossexualismo
- Adoção de crianças por casais homossexuais

Isto é, pode-se discutir tudo, menos temas cruciais da sociedade contemporânea, presentes em toda a imprensa diária. Instituto que cultiva o politicamente correto, quer discutir o politicamente correto. O mundo está cheio de Tartufos que defendem a liberdade de expressão e são os primeiros a eliminá-la.

É óbvio que ninguém organiza esses encontros com dinheiro de seu bolso. No melhor estilo da Máfia do Dendê – Caetano, Gil, Bethânia, Sangalo et caterva – o Millenium deve estar metendo a mão no bolso do contribuinte.

quarta-feira, março 16, 2011
 
INSTITUTO QUE CENSURA PRETENDE
DISCUTIR LIBERDADE DE EXPRESSÃO



Em sua coluna de hoje, o recórter tucanopapista hidrófobo da Veja anuncia mui lampeiro que vai participar de um seminário sobre liberdade de expressão promovido pelo Instituto Millenium, no Rio. “Debaterei com outros colegas um tema em particular: o pensamento politicamente correto, questão de que trato amiúde neste blog”.

O Instituto Millenium debatendo liberdade de Imprensa? O recórter tucanopapista hidrófobo está fazendo piada, suponho. Já contei, mas conto de novo. Em julho de 2009, recebi esta gentil missiva:

Prezado Sr. Janer,

sou coordenadora de redes do Instituto Millenium de Pesquisa , que talvez o senhor já conheça, e gostaria de lhe convidar a fazer parte da rede de especialistas que compõem o nosso quadro e colaboram conosco na missão de promover a Democracia, a Economia de Mercado, o Estado de Direito e a Liberdade, porque acreditamos que estes valores podem gerar mais prosperidade e desenvolvimento humano para o Brasil.

Para divulgar estes valores, temos uma presença constante na mídia e no debate público. Por esta razão, é tão importante que tenhamos uma ampla rede de especialistas, atuando em variadas áreas, que escrevem artigos, dão entrevistas, participam de eventos e dos diversos programas realizados pelos veículos de comunicação. Acompanhamos os seus artigos na web e temos ciência de que o senhor trata de assuntos muito caros para nós. Seria uma honra tê-lo em nosso quadro.

O que o senhor acha?

Atenciosamente,

Anita Lucchesi
Coordenadora de Redes
Instituto Millenium


O que eu achava? Achei a idéia interessante. Gosto de tribunas. Mas fiquei com um pé atrás. Quando me falam em “promover a Democracia, a Economia de Mercado, o Estado de Direito e a Liberdade, porque acreditamos que estes valores podem gerar mais prosperidade e desenvolvimento humano para o Brasil”, fico desconfiado. Estou cansado de bons propósitos. Consultei um amigo que tinha conhecimento do Instituto. Me informou ser o Millenium mantido pelo Armínio Fraga e pelo Gustavo Franco. “A idéia seria formar o que se chama de um think tank de pensamento liberal, anti-esquerdista ou anti-socialista, estas coisas. São mais liberais e (bem) menos conservadores que o MSM”.

Bom, vá lá. Enviei meus dados e curriculum ao Millenium. Com uma ressalva: não aceito censura a nenhum artigo que pretender publicar no site Millenium. Já havia sido censurado no MSM pelo astrólogo e, para evitar atritos, já fui prevenindo: se houver hipótese de censura, considere-me excluído do Instituto. Resposta de Anita Lucchesi, minha interlocutora:

Caro Sr. Janer,

consultei a nossa editora, Cristina Camargo, para que pudesse lhe informar sobre nossa linha editorial, com mais certeza, pois é ela que cuida da publicação dos artigos.

Envio-lhe, portanto, a linha editorial do Millenium:
Não publicamos artigos que contenham defesa ou condenação dos seguintes assuntos:

- Aborto
- Pena de morte
- Células-tronco embrionárias
- Eutanásia
- Suicídio
- Legalização das drogas
- Homossexualismo
- Adoção de crianças por casais homossexuais


Minha resposta a Anita Lucchesi:

Desolé, Anita!

O Millenium não me serve. Não entendo como uma instituição que pretende promover a Democracia, a Economia de Mercado, o Estado de Direito e a Liberdade, não aceite discutir assuntos como aborto, pena de morte, células-tronco embrionárias, eutanásia, suicídio, legalização das drogas, homossexualismo, adoção de crianças por casais homossexuais.

Os propósitos desta instituição são uma farsa. Considere-me excluído dessa arapuca. Suponho que sirva para promover nomes que permanecem ocultos, tipo Armínio Fraga e Gustavo Franco. Não conte comigo para isso.

Obrigado pelo convite.


Surge mais um embuste no jornalismo eletrônico nacional. Pelo jeito é o MSM do B. Se o MSM pelo menos discute tais questões, o tal de Instituto Millenium as veta de cara. São mais papistas ainda que o recórter tucanopapista e os papistas do MSM. O MSM conseguiu enganar por algum tempo. O Millenium não engana desde já. É mais um reduto de carolas, que acham que ser contra as esquerdas é suficiente sinônimo de honestidade.

Não é. A Santa Inquisição era mais liberal. Embora mandasse homossexuais para a fogueira, pelo menos aceitava discutir a questão. O Instituto Millenium é o mais novo bastião do obscurantismo que tenta fazer carreira no jornalismo eletrônico.

Está desmascarado desde o berço. Começa desmoralizado. Claro que sempre vai atrair pavões que gostam de lantejoulas.

terça-feira, março 15, 2011
 
ITÁLIA AFASTA JUIZ QUE RECUSA EM
SUA SALA SÍMBOLO DA SUPERSTIÇÃO



Em O Consultor Jurídico, Aline Pinheiro nos conta que o italiano Luigi Tosti foi expulso da Magistratura do país por se recusar a fazer audiências enquanto todos os crucifixos não fossem retirados das paredes dos tribunais. Ontem ainda, a Corte de Cassação confirmou a exoneração de Tosti. Ele já estava fora do cargo desde o começo do ano passado, por conta de decisão do Conselho Superior da Magistratura.

Durante a sua carreira como magistrado, Tosti apontava que a expressão religiosa nos tribunais, órgãos públicos, violava a laicidade do Estado italiano. Se as cruzes não fossem retiradas da parede, pedia então que fossem expostos junto outros símbolos religiosos. A Corte de Cassação negou. Os crucifixos podem, afirmou. Outros símbolos, não. Tosti promete levar a briga para os tribunais europeus.

A briga é antiga. No final de 2001, em Milão, Rosa Petrone, uma enfermeira italiana convertida ao Islã, decidiu não retomar sua função no hospital de Niguarda enquanto não forem removidos os crucifixos do local de trabalho. A União Muçulmana da Itália tomou posição a favor da enfermeira, alegando que “a presença do crucifixo católico em locais públicos é violação e desafio à neutralidade e laicidade do Estado”. No mesmo ano, em outra cidade italiana, uma professora pedia a retirada do crucifixo das salas de aula, para não ferir suscetibilidades de filhos de imigrantes.

O fato é que retirar crucifixos de salas em nome do Islã é trocar seis por meia dúzia. É uma religião ciumenta que protesta contra os privilégios de outra. A Europa sempre foi cristã, não por acaso chamou-se um dia de Respublica Christiana. Mas os tempos mudaram. Não vivemos mais em época em que os reis, para serem coroados, tinham de ir a Roma.

Foi Napoleão quem quebrou esta tradição. Ao ser coroado imperador não foi a Roma para ser ungido pelo Papa, como os imperadores germânicos. Pio VII teve de vir a Paris para a cerimônia. Mas Napoleão não aceitou a arrogância de Roma. Pegou a coroa nas mãos e coroou-se a si mesmo, de frente para o público (e de costas para o Papa. Depois, coroou a imperatriz Josefina. O papa entendeu o recado e limitou-se a proclamar "Vivat Imperator in aeternum!". Manda quem pode. Obedece quem tem juízo.

A laicidade que hoje vige na Europa é fruto da Revolução Francesa, que pôs fim a uma monarquia de direito divino. A laicização da Europa surge na França, quando a Concordata de 1801 coloca a Igreja sob a tutela do poder do Estado, criando o casamento civil e o registro civil. Mas os papistas são incorrigíveis e até hoje se julgam no direito de exibir um Cristo peladão nas salas de aula e tribunais.

No velório de minha mulher, um pouco antes da cremação, deparei-me na capela mortuária com uma cruz imensa, dominando o caixão. Só o que faltava, ela, que nunca acreditou nessas besteiras, emprestar seu cadáver para a propaganda de superstições. Tirem isso daqui – ordenei. Tiraram. Mas notei que os presentes à cerimônia sentiam a ausência de algo.

Está na hora de retirarmos o judeu aquele de todas as salas públicas do país. Ou então, em nome da diversidade religiosa, exibir budas e orixás ombreando com o Cristo. É espantoso constatar que, em pleno século XXI, um juiz seja expulso da Magistratura, em um país do Ocidente, por recusar-se a manter símbolos do obscurantismo em seu tribunal.

 
AIATOLAVO CENSURA AIATOLAVO E
INCULTURA VOLTA A SER CULTURA



Comentei sexta-feira passada o acesso de ira sagrada que acometeu o astrólogo, ao perder a parceria da Livraria Cultura com o Mídiasemmáscara. Em trocadilho besta, passou a chamar a livraria de livraria Incultura. Como se trocadilho fosse argumento. Como já dizia Balzac: "le calembourg est la fiente de l'esprit".

Aiatolavo subiu nos tamancos.

Além disso, vocês têm também de nos explicar por que fizeram o cancelamento de maneira unilateral, abrupta e afoita, sem nos dar qualquer advertência prévia - submetendo-nos assim a um vexame público que em muito prejudica a reputação do nosso site e expõe o autor dessa iniciativa a um processo de reparação por danos morais, além da devida sanção penal.

O fato de que vocês tenham comunicado o cancelamento a "parceiros cadastrados" em geral, sem tê-lo comunicado diretamente a nós primeiro ou mesmo simultaneamente, revela acima de toda possibilidade de dúvida que seu intuito foi menos o de resguardar seus direitos -- jamais violados -- que o de trazer dano à nossa reputação.

E que, em vez de esclarecer com fatos e documentos a infração concreta que teríamos supostamente cometido, vocês espalhassem uma lista de infrações hipotéticas, dando a impressão de que cometemos todas elas, é coisa de uma perfídia sem par, excluindo in limine a hipótese de que tenham agido de boa-fé.

De todas as ofensas, agressões e ações discriminatórias que sofremos ao longo de muitos anos de atividade, essa foi a mais sórdida, a mais canalha, a mais intolerável. Um bom pedido de desculpas é o mínimo que vocês nos devem.


A livraria Incultura reestabeleceu o link e, do dia para a noite, voltou a ser Cultura. Censor implacável, que já eliminou de seu site todos os artigos dos colaboradores com os quais discordava, o astrólogo, ao entrar em discordância consigo mesmo, não hesitou um segundo em deletar-se: em sua fúria censória, deletou seu próprio artigo.

segunda-feira, março 14, 2011
 
HONG KONG SE RENDE
À BARBÁRIE IANQUE



O almoço, para mim, é um dos bons e sagrados momentos da vida. Aliás, a janta também. Nem tanto pelo que se come, mas pela pausa que representa em meio ao dia. Meus almoços duram pelo menos duas horas. É o momento em que leio jornais ou livros ou converso com amigos. Diante de uma meia garrafinha de vinho, se estou sozinho. Se acompanhado, podem ser uma, duas ou mais.

Como os restaurantes nem sempre servem meia garrafa, faço um acordo com os garçons. Tomo a metade e deixo outra metade para outro dia. Aqui no bairro, sempre há dois ou três restaurantes me esperando com meia garrafa. Aos fins de semana, quando convido alguma amiga para estas pausas na vida, meu almoço pode terminar às sete ou oito da noite. Não que eu esteja sendo original. O chamado almoço ajantarado é uma prática usual em São Paulo. Come-se tarde e depois não mais se janta.

Por esta e por outras, abomino os Mcdonalds. Não são locais propícios à leitura ou à charla. Pior ainda, não têm vinho. E péssimo: só têm sanduíches. É coisa típica da cultura ianque, esta civilização de bárbaros que chegou à lua mas ainda não descobriu as normas básicas do savoir vivre. Contei, ainda há pouco, que um dia entrei em um destes antros. É que estava chovendo, a águia subia na calçada e eu não tinha onde abrigar-me.

Leio hoje notícia no New York Times que mexe com meus brios de homem civilizado. Os McDonald's em Hong Kong estão oferecendo McCasamentos. Com direito a milk shake para noivos e convidados. Há cinco anos, a Prefeitura de Hong Kong modificou uma lei, autorizando a celebração de casamentos em lugares que não sejam templos ou a sede da prefeitura. Presente em Hong Kong desde 1975, o McDonald's é a primeira rede de fast food a aproveitar a oportunidade de ingressar nesse ramo lucrativo que, segundo o site de mídia on-line ESD Life, movimenta cerca de US$ 1,37 bilhão por ano ou 10,7 bilhões de dólares de Hong Kong.

Os orientais sempre importaram o que o Ocidente tem de pior. Mas agora exageraram. Celebrar um casamento, momento importante na vida de qualquer pessoa, numa lanchonete vagabunda, é dose que supera a humana imaginação. Mais ainda: com um Big Mac com fritas e um sundae açucarado em copos de plástico - como se vê na foto - à guisa de brinde. É a dessacralização definitiva do matrimônio.

Segundo Shirley Chang, diretora gerente dos 226 restaurantes McDonald's em Hong Kong, a ausência de álcool não parece incomodar, e até agora não houve pedidos para incluir bebidas alcoólicas nos casamentos. Em vez disso, os casais brindam com uma bebida açucarada, devido às implicações da "doçura" nas crenças chinesas. "É por isso que brindamos com um sundae".

Sundae até que entendo. Tem gosto pra tudo neste mundo. Conheço até acadêmicos que gostam de Pepsi-Cola. Mas que se vai fazer? Conheço também PhDs que acreditam em deus e nos espíritos. Gostar de xaropes ianques é mal menor. Mas copo de plástico é um insulto. Foi o que mais detestei nos Estados Unidos. Em Nova York, bati pernas pelas avenidas marcando em um mapa os restaurantes onde havia copos decentes.

Certa vez, em Florianópolis, o proprietário de um bar ofereceu-me uma festa, com bebida livre a quem eu convidasse. Quando cheguei lá, os copos eram de plástico. Ameacei retirar-me com todo meu povo, caso os copos não fossem trocados. Foram trocados. Dia seguinte, alguém escreveu um artigo na imprensa local: “O Cristal do Janer”.

Gordon Mathews, antropólogo da Universidade Chinesa de Hong Kong, explica a atração de um McCasamento. "A geração que está se casando hoje cresceu estudando no McDonald's", disse ele. "Nos EUA e em outros lugares, pessoas da classe média ou alta classe média desdenham o McDonald's. Mas aqui, em Hong Kong, é diferente. Um casamento celebrado no McDonald's não seria visto como algo cafona."

É a decadência do Oriente milenar. Em um poema em que celebra a noite – ou a morte? - dizia Pessoa:

Uma folha de mim lança para o Norte,
Onde estão as cidades de hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós não temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde – quem sabe? – Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo...


Para um oriente ianquizado, é de supor-se que o poeta, viciado nas antigas tascas lisboetas, não mandaria folha alguma. O Oriente pomposo, fanático e quente, onde há tudo que nós não temos, tudo o que nós não somos, perdeu sua aura de mistério.

Virou sucursal da barbárie americana. Agora tem tudo o que de pior nós temos.