¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, agosto 07, 2014
 
CÂMARA DOS DEPUTADOS REDUZ
ADVOGADOS A DESPACHANTES



Tenho, entre outros diplomas inúteis, o de advogado. Estudei filosofia. Mas primum vivere, deinde philosophari, como diziam os romanos. Primeiro viver, depois filosofar. Acreditava que do Direito poderia tirar meu sustento. Já no segundo ano do curso, descobri que jamais advogaria. As razões não eram poucas. Não me concebia usando terno e gravata, anel no dedo e chamando juiz de Meritíssimo. Além do mais, a fúria legiferante do pais me assustava. Advogado, ou se atualiza todos os dias, ou morre profissionalmente. Na época em que terminei o curso,1969, não havia exame da OAB. Era só pegar o diploma e sair advogando.

Preferi jornalismo, que na época não exigia curso, como ocorre hoje em todos os países, menos no Brasil. Mas se considero meu diploma inútil, o mesmo não digo da profissão. Há momentos em que é mais importante que a de médico. Quanto ao exame da OAB, é mais um subterfúgio da guilda para anular o diploma de Direito, que passa a não servir para coisa alguma. Diria que é o único diploma no Brasil que só tem valor decorativo. Bom pra pendurar na parede e mostrar para as visitas.

Há muita gente no país advogando sem diploma algum. Já contei, há uns sete anos, as peripécias de minha mulher. Ao longo de toda sua vida, trabalhou com legislação. Uma vez aposentada, passou a dar consultoria, sem ter diploma de Direito. Considerou que seria melhor obtê-lo, para poder assinar petições. E decidiu fazer o curso de Direito da Mackenzie. Eu a adverti que não o suportaria três meses. Ela elaborava pareceres em um Conselho Fiscal em Brasília, pareceres que geravam legislação, e não iria agüentar o beabá do Direito. Ela insistiu, fez vestibular e decidiu-se a freqüentar o curso. Pois bem: não esquentou banco por mais de três dias. Eu havia superestimado sua capacidade de tolerar a mediocridade.

Na primeira aula de Direito Constitucional, um decrépito professor perguntava a seus alunos:

- O direito é uma emanação da so.. da so...?
Ninguém conseguia terminar a frase.
- Da socie... da socie...?
Os alunos, demonstrando invulgar inteligência, responderam em coro:
- Da sociedade!!!
- Muito bem - disse o professor, com um sorriso beatífico. - Ao direito dos costumes, costumamos chamar de Direito con... Direito con...?
Silêncio total.
- Direito consue...? Consue...?
Silêncio ainda mais espesso.
- Consuetu...? Consuetu...?
Nada feito.
- Consuetudi...? Consuetudi...?
Muito menos. O brilhante professor exclamou então com um sorriso sapiente na face, sorriso de quem detém o saber:
- Consuetudináááááário!!!

Foi o terceiro e último dia de curso de minha mulher. Preferiu continuar dando consultoria sem diploma algum.

Não bastasse o atual baixo nível dos cursos de giz e quadro negro, a Câmara dos deputados acaba impor uma caput diminutio à a profissão de advogado, ao aprovar projeto permitindo que bacharéis sem OAB atuem em funções jurídicas. Os milhões, de postulantes ao papelucho da guilda, que não passaram no exame, poderã0 consolar-se com uma profissão que não escolheram. Chamado de paralegal, o cargo serviria para auxiliar advogados em escritórios, o que os reduz a despachantes. Mas ainda precisa passar pelo Senado. Vamos à notícia:

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (ontem), um projeto de lei que cria a figura jurídica de assistente do advogado, o chamado paralegal. Se não houver recurso, o projeto segue para a apreciação dos senadores.

A idéia é possibilitar aos 5 milhões de bacharéis em Direito no Brasil a chance de atuar com registro nos escritórios de advocacia, mas com funções limitadas e que não ultrapassem a prerrogativa do advogado.

Inspirado no modelo norte-americano, o paralegal não pode assinar sozinho petições, tampouco defender um cliente ou um réu nos tribunais. Ele atuará, de acordo com a proposta, executando funções burocráticas e jurídicas, como ajudar na preparação de documentos e estratégia de defesa.

Cinco anos de estudo universitário para exercer uma profissão que não exige nem curso superior, como a de psicanalista. Será necessário que o candidato se inscreva na Ordem e, passados os três anos, se o profissional não conseguir ser aprovado no Exame, ele voltará à condição de bacharel. A diferença em relação ao estagiário de Direito é que o estudante só pode atuar por dois anos. Com muita pompa, está ressuscitada a antiga condição de solicitador, que podia ser exercida a partir do quarto ano de Direito.

O autor do infeliz projeto de lei, deputado Sérgio Zveiter (PSD-RJ), diz que seu objetivo não é acabar com o Exame da Ordem, mas tirar o bacharel do "limbo profissional" onde não pode "exercer legitimamente a atividade" para a qual se preparou. Se querem tirar o bacharel do limbo, eliminem o exame da OAB, ora bolas!

Fica a pergunta: já que o diploma de Direito não vale nada, porque não conceder plenos direitos ao exercício da profissão ao candidato que, sem ter curso de Direito, passasse no exame da OAB?